Rússia x Ucrânia

Bernardo Wahl: ‘guerra nuclear é improvável, mas pode acontecer’

Professor de relações internacionais da FESPSP avalia que “talvez a guerra da Ucrânia possa levar a Rússia até onde for necessário” para chegar a seus objetivos

Sputnik / Ilia Pitalev
Sputnik / Ilia Pitalev
Cidade estratégica de Mariupol, no sul da Ucrânia, é um dos principais campos de batalha da guerra até aqui

São Paulo – Um mês e meio depois de o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenar a suas tropas a invasão da Ucrânia, as opiniões sobre o futuro do conflito, da Europa e da própria guerra divergem. As análises navegam em torno de incógnitas. Mas certamente a verdade não é a versão midiática ocidental, em que as notícias são filtradas de acordo com os interesses, em primeiro lugar, de Washington. A guerra é militar, econômica e informativa. Diante do prolongamento das tensões, da insistência do Ocidente em ajudar a Ucrânia com armas e recursos financeiros, pergunta-se: Putin pode recorrer à solução radical de um ataque nuclear tático, se colocado em muitas dificuldades militares e se sentir sem saída?

“O cenário de escalada para um ataque nuclear tático existe, mas é bastante improvável”, acredita Bernardo Wahl, professor de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “Uma guerra direta entre Rússia e Otan, pelo menos agora, também é improvável. Mas não dá para falar impossível. Antes da guerra, eu achava que a invasão da Ucrânia era improvável, e acabou acontecendo. Cenários improváveis podem acontecer”, pondera.

Com três dias de guerra, ainda em fevereiro, Putin colocou as “forças de dissuasão nuclear” de seu país em alerta máximo. Seja como for, “a Rússia tem outras etapas de escalada do uso da força militar, antes do nível nuclear”, acrescenta o analista. As chamadas armas nucleares táticas são “pequenas”, com poder de destruição “limitado”, mas ainda assim são nucleares. Seus efeitos seriam devastadores.

Muito se falou, no início, que a Rússia demorou a alcançar objetivos e que a guerra estava e está lenta. “Eu também tinha essa impressão no começo. Só que não necessariamente a guerra precisa ser resolvida em pouco tempo. A Rússia pode estar testando, experimentando, e disposta a ficar mais tempo do que o Ocidente presumia”, avalia. Para ele, os movimentos no “teatro de operações” demonstram que essa é uma hipótese a se considerar.

Demora ou estratégia?

A Rússia não ter conquistado cidades ou ter demorado para isso também foi destaque na mídia. Apenas quatro dias depois de Putin ter anunciado a invasão do país vizinho, o portal Uol estampava matéria perguntando em título: “Por que a Rússia ainda não dominou nenhuma grande cidade da Ucrânia?”

“Muitas cidades não precisam ser conquistadas para os objetivos serem alcançados”, responde Wahl, especialista em análise de guerra. Além da complexidade natural de uma guerra na Europa, os russos não estão em situação fácil, já que a Ucrânia é um país grande, de tamanho aproximado de Minas Gerais, com 44 milhões de habitantes e uma população guerreira e aguerrida.

Fora o adversário em si, há por trás dele as forças da Otan, que executa uma “guerra por procuração” pela Ucrânia. Se o país governado desde 2014 por Volodymyr Zelensky não faz parte da aliança atlântica formalmente, na prática o bloco militar ocidental há muito tempo treina e arma os ucranianos, particularmente na região do Donbass.

“Como disse John Mearsheimer – continua o professor –, é como se a China ameaçasse colocar seu exército no México ou no Canadá. Os EUA não ficariam confortáveis. Talvez a guerra da Ucrânia seja mais importante para a Rússia do que foi a crise dos mísseis em Cuba em 1962. Ela está disposta a levar a guerra até onde for necessário.”

Otan quer repetir Afeganistão na Ucrânia

Já o objetivo da Otan é aproveitar a situação e fazer a Rússia “sangrar” ao máximo, avalia Wahl. Um exemplo histórico que pode ser usado como analogia é a invasão do Afeganistão pela União Soviética (URSS) em 1979. O Kremlin ficou no país até 1989 e saiu derrotado pela resistência afegã, dos mujahedins apoiados pelos Estados Unidos.

Não poucos analistas acreditam que a URSS, na época, caiu numa armadilha e isso foi uma das causas da posterior dissolução do império soviético. Isso poderia ter acontecido com Vladimir Putin no caso da Ucrânia? Para Wahl, essa guerra é uma chance que o ocidente enxerga para tentar evitar o surgimento de um país hegemônico na Eurásia, o que Rússia ou China podem ser.

Putin caiu em armadilha?

Citando fonte muito especializada em assuntos diplomáticos relativos à Rússia, o cientista político e ex-ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral diz acreditar que Putin pode ter caído em uma armadilha do Pentágono. “E é muito perigoso. Eles estão empurrando Putin e a Rússia. Só que no canto do ringue tem um país com o maior número de bombas atômicas no mundo”, pontua Amaral.

Para ele, é muito difícil a Rússia aceitar sair desmoralizada dessa guerra. “Eu não creio que essa Rússia que está aí se deixe liquidar sem reagir.” Quanto às motivações do Kremlin, o ex-ministro de Lula pondera que, se a invasão de uma nação é condenável, a Rússia reagiu porque estava sendo acuada há décadas. “Não podemos aceitar a invasão de um país, sempre defendemos a autodeterminação dos povos. Mas desde 1991 que os EUA vêm cercando a Rússia. Com a queda da URSS, a Otan, leia-se Estados Unidos, vem absorvendo todos os países em torno”, diz.

Tanto Amaral como Bernardo Wahl sublinham que há vários séculos o povo russo está acostumado a ser invadido, o que deu forma a seu senso de autodefesa. “A Rússia historicamente foi bastante invadida pela fronteira ocidental (por poloneses, suecos, franceses e alemães nas duas guerras mundiais). E a ameaça mais recente é a Otan”, diz o professor da FESPSP.

Seja como for, a situação é muito preocupante, destaca Amaral. “Podemos acordar amanhã, ver os jornais e saber que estamos numa guerra mundial”, diz. Para Wahl, a avaliação está correta. Mas essa possibilidade ou uma solução nuclear “estão mais para improváveis”, considerando que o Ocidente já mostrou não estar disposto a entrar na guerra diretamente. “Só por procuração”, reafirma o professor.

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