Violência

Cimi: Tortura e morte de indígena em SC é reflexo da falsa conciliação

Corpo de Hariel Paliano, 26 anos, foi encontrado com marcas de espancamento e queimaduras a 300 metros de casa, na Terra Indígena Ibirama La Klaño. Para entidade indigenista, decisão de Gilmar Mendes foi entendida como vitória dos que se opõe à demarcação

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A casa de Hariel havia sido alvo de tiros no dia 4 deste mês

São Paulo – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifestou indignação pelo assassinato do líder indígena do povo Xokleng Hariel Paliano, de 26 anos. O corpo foi encontrado neste sábado (27) às margens da rodovia que liga os municípios catarineses de Doutor Pedrinho e Itaiópolis. Havia marcas de espancamento e queimaduras.

De acordo com o Cimi, o crime ocorreu a 300 metros da casa de Hariel, em uma emboscada. Hariel morava com a mãe e o padrasto, líder da aldeia Kakupli, e estava a caminho de uma mercearia. No dia 4 deste mês, a casa da família já havia sido alvo de atentado a tiros. A Polícia Federal (PF) investiga o caso. No momento do crime, parte dos indígenas da aldeia regressava de Brasília, onde participaram do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país.

A casa da família está localizada na Terra Indígena Ibirama La Klaño, onde vivem indígenas das etnias Kaingang, Guarani e Xokleng. A disputa de terras no local motivou o julgamento da tese do marco temporal no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Na ocasião a Corte decidiu, por 9 votos a 2, pela declaração de inconstitucionalidade da tese para a demarcação de terras indígenas. Defendida por ruralistas, o marco temporal prevê que só podem ser reconhecidos os territórios que estavam ocupados por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Vitória dos indígenas.

Endurecimento da violência

Porém, em represália à decisão do STF, no final do ano o Congresso aprovou e promulgou a Lei 14.701 de 2023, que tornou vigente o marco temporal. O caso foi lembrado pelo Cimi, que se solidarizou, em nota, com familiares de Hariel. Na avaliação da entidade, os episódios de violência na região estão se intensificado após a validação da tese ruralista pelo Congresso.

O Cimi também citou a recente decisão do ministro Gilmar Mendes, que determinou a conciliação nas ações que tratam da validade do marco temporal. O ministro é relator das ações protocoladas pelo PL, o PP e o Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco e de processos nos quais entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese.

“A decisão de Gilmar Mendes foi entendida como uma vitória dos setores que se contrapõem à demarcação da Terra Indígena Ibirama La Klaño e das demais terras indígenas no Brasil. Nesse sentido, a decisão em questão tornou-se combustível para a euforia e o ódio contra os povos indígenas”, declarou a entidade indigenista.

Entenda o caso

No STF, o marco temporal tratou, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) movida pelo governo de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e os indígenas Xokleng. Ainda em 2017, o Estado passou a reivindicar parte da terra Ibirama-La Klãnõ, no Alto Vale do Itajaí, habitada também por povos Guarani e Kaikang. Em 2019, a ação ganhou status de repercussão geral no Supremo. Ou seja, a decisão referente ao caso catarinense teria efeitos vinculativos para todos os processos similares.

O julgamento, no entanto, só teve início em 2021, quando o relator do recurso, ministro Edson Fachin, votou contra a tese ruralista. Na ocasião, Fachin defendeu que não havia “segurança jurídica maior do que cumprir a Constituição”. “Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação. Seria negar-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”, destacou.

No mesmo ano, contudo, o julgamento foi suspenso, e o marco temporal só foi reconhecido definitivamente como inconstitucional em setembro de 2023. Oito dias depois, o Congresso aprovou legislação contrariando a decisão jurídica. Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente o projeto aprovado no Legislativo, argumentando que a tese já havia sido considerada inconstitucional. Em dezembro, contudo, os deputados e senadores derrubaram o veto presidecial, validando o marco temporal.

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Redação: Clara Assunção com informações da Agência Brasil