País dos ruralistas?

Confusão jurídica em torno do Marco Temporal estimula invasões de terras e atrasa demarcações

“A história do Brasil é a história da violência. Isso é o que temos quando o crime é organizado e o Estado está desorganizado”, afirma advogado da OAB que luta pelos direitos dos povos indígenas

Lula Marques / Agência Brasil
Lula Marques / Agência Brasil
Deputados de oposição comemoram a derrubada dos vetos do presidente Lula ao marco temporal: ruralistas no parlamento

São Paulo – A iniciativa do Congresso Nacional de derrubar os vetos do presidente Lula ao Marco Temporal, no dia 14 de dezembro, cria a perspectiva de um imbróglio jurídico que será um desafio para a luta por demarcação de terras indígenas em 2024.

Segundo o advogado Melillo Dinis, da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (OAB – Conselho Federal), em entrevista à Agência Brasil, a intenção das bancadas que articularam nas duas casas do Congresso Nacional a derrubada dos vetos “é criar imbróglio jurídico e atrasar 42 demarcações de terras indígenas que estavam previstas.”

Além do impasse na Justiça, o advogado teme que durante a indefinição da questão ocorram mais casos de violência no campo e invasões de ruralistas em terras que deveriam estar protegidas. “A história do Brasil é a história da violência. Isso é o que temos quando o crime é organizado e o Estado está desorganizado.”

O imbróglio em torno do Marco Temporal se dá porque antes da derrubada dos vetos pelo Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia decidido, em setembro, por 9 votos a 2, pela inconstitucionalidade desse dispositivo que no parlamento é articulado pela bancada ruralista. Segundo a tese do Marco Temporal, os indígenas só terão direito ao território em que estavam na promulgação da Constituição, em outubro de 1988.

A lei, que trata do reconhecimento, da demarcação, do uso e da gestão de terras indígenas, foi sancionada com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 20 de outubro deste ano. Os vetos presidenciais retiravam da legislação artigos baseados na tese do marco temporal.

Marco temporal é desafio para 2024

Agora, 2024 começa com o Congresso e o STF em lados opostos nessa questão, o que faz os indígenas verem sua luta pela demarcação mais uma vez postergada. Em resposta ao Congresso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deve protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação Lei nº 14.701, do Marco Temporal. Portanto, a Suprema Corte mais uma vez terá de voltar ao tema no próximo ano, depois do recesso.

:: Indígenas irão ao STF após Congresso derrubar vetos de Lula e estabelecer o marco temporal ::

“Todo dia é dia de luta, é todo dia, não tem um dia que a gente está tranquilo, que a gente está bem. Todo dia a gente tem violações de direitos. É trabalhoso sim, é cansativo, sim, mas a gente continua na resistência. Nós já fomos resistentes por mais de 500 anos, vamos continuar na resistência”, diz a advogada indígena e assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) Cristiane Baré. Ela foi uma das juristas a fazer a sustentação oral contra o marco temporal no Supremo Tribunal Federal, em 2021, outra oportunidade em que a Suprema Corte se debruçou sobre o tema. 


Com informações da Agência Brasil


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