Show de horrores

‘Pintou um clima’ é o termo mais buscado sobre Bolsonaro

Na reta final da campanha, presidente não consegue se livrar de acusações relacionadas a prevaricação e pedofilia no caso envolvendo menores venezuelanas

Isac Nóbrega/RP
Isac Nóbrega/RP
Bolsonaro repetiu em pelo menos três oportunidades a falácia sobre meninas venezuelanas que estariam se prostituindo

São Paulo – Desde a sexta-feira passada (14), “pintou um clima” permanece como o tema relacionado ao candidato à reeleição mais buscado nos trends do Google. Em entrevista ao Paparazzo Rubro-Negro, há uma semana, Jair Bolsonaro disse que parou um passeio de moto ao ver “umas menininhas bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas”. O passeio ocorreu em abril do ano passado em São Sebastião, região próxima ao Plano Piloto de Brasília. Como era um sábado e as meninas estavam se arrumando, de pronto, Bolsonaro concluiu que elas estariam prontas para “ganhar a vida”.

Autodenominado defensor da família, era de se esperar que a maior autoridade do país denunciasse o suposto caso de prostituição infantil. Não foi o caso. Ao mesmo tempo em que associou o que viu a um flerte, poderia usar a cena para atacar a Venezuela. Assim, venezuelanas seriam vítimas do “socialismo” que buscaram refugio no Brasil, mas teriam se rendido à prostituição, no imaginário do presidente.

Mas, na verdade, no dia em que o motoqueiro do Planalto apareceu, as meninas venezuelanas participavam de uma ação social, quando a garagem da casa onde vivem foi transformada num salão de beleza.

“Foi um dia maravilhoso”, lembra a cabeleireira Lu Silva, em entrevista ao UOL. Ela classificou como “um absurdo” as declarações do presidente relacionando as meninas à prostituição, desmentindo-o. E disse que o mandatário foi avisado. “Nós falamos para ele: olha Bolsonaro, aqui é um evento, eu trouxe as minhas alunas para um treinamento aqui e as meninas estão ficando bonitas.”

Mentira repetida

Sem realizações de governo nem propostas para os problemas do país – como a volta da fome, o aumento do trabalho informal e o atraso escolar das crianças mais pobres, em função da pandemia, que ele ajudou a piorar – Bolsonaro aposta na mentira. Assim, por mais de uma vez, Bolsonaro relatou sua aventura pelos arredores de Brasília ao deparar com as venezuelanas “bonitinhas” e que “pintou um clima”.

Do mesmo modo, o presidente contou a mesma história no mês passado, ao participar do podcast Collab, com influenciadores evangélicos. “Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia? Quer que eu fale? Não vou falar”, disse ele, em referência às meninas venezuelanas. As declarações voltaram à tona após Rosângela Lula da Silva, a Janja, mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, postar o vídeo em suas redes sociais para questionar a conduta imprópria do presidente da República.

Além disso, em maio deste ano, enquanto discursava na abertura 36ª edição da Apas Show, feira de alimentos, bebidas e supermercados, ele trouxe a mesma conversa deturpada. Desta vez, as mentiras contaram com transmissão da TV Brasil, a emissora pública. “Sábado à tarde, eu vejo, paro a moto, olho para trás. Umas meninas de 14, 15 anos, arrumadinhas. Surpreendeu.”

Complicou

Mas foi quando disse que “pintou um clima”, na semana passada, que o caso efetivamente explodiu. Na madrugada do domingo (16) que antecedeu o primeiro debate do segundo turno, Bolsonaro abriu uma live para tentar se explicar. Além disso, ele tentou colocar a culpa no PT. “O PT recorta pedaços como se eu estivesse atrás de programas. Fiz uma live, foi demonstrado o que estava acontecendo. Pega pedaço e fala ‘pintou um clima’? Que vergonha é essa? Sempre combati a pedofilia”, afirmou.

Lula comentou o desespero do adversário no debate promovido pela Band. “A mentira faz parte da vida dele. Ele levanta de madrugada para fazer live e contar mentira”, afirmou.

Para tentar estancar o escândalo, Bolsonaro enviou a primeira-dama, Michelle, e a ex-ministra Damares Alves para São Sebastião. O encontro teria servido para selar o “silêncio” das meninas venezuelanas sobre o episódio, de acordo com o site Meio.

No dia seguinte, Bolsonaro também gravou vídeo – ao lado de Michelle e de Maria Teresa Belandria, representante no Brasil do autoproclamado governo de Juan Guaidó, da Venezuela, se desculpando com as menores. Em seu discurso, ele pede perdão caso as frases tenham sido “mal compreendidas” ou causado “algum tipo de constrangimento a nossas irmãs venezuelanas”.

Tiro no pé

No mesmo dia, foi a vez do PP, partido que forma a coligação de Bolsonaro, ao lado do PL e do Republicanos, soltar uma documento que, em vez de ajudar, complicou a vida do presidente. Assim, o PP enviou à Câmara dos Deputados uma pedindo a cassação de André Janones (Avante-MG), por ele ter feito menção ao episódio quando “pintou um clima” do presidente com as meninas venezuelanas.

De acordo com o partido, a expressão “pintou um clima” usada pelo presidente “se refere única e exclusivamente a impressão que Bolsonaro teve de que as meninas venezuelanas estariam se prostituindo”. A nota do partido aliado irritou a campanha do presidente, que tentava abafar o caso.

“Se comporta como um pedófilo”

Também nesta semana, em entrevista ao podcast Flow, que bateu recorde de audiência no YouTube – está com 9 milhões de visualizações –, Lula voltou ao tema das meninas venezuelanas. O apresentador Igor 3K questionou se ele achava que Bolsonaro realmente seria um pedófilo. “Ele se comporta como se fosse”, respondeu o ex-presidente. “O comportamento dele agora no caso das meninas da Venezuela é um comportamento de um pedófilo. E ele percebeu isso. Por isso que ele ficou apavorado e tentou se explicar o mais rapidamente possível.”

Nesta sexta-feira (21), enquanto realizava caminhada ao lado de Lula, na cidade de Teófilo Otoni, na região do Vale do Mucuri (MG), a senadora Simone Tebet (MDB), terceira colocada no primeiro turno da eleição presidencial, voltou a criticar Bolsonaro pelo episódio com as meninas venezuelanas. Para ela, a expressão “pintou um clima” configura crime praticado por Bolsonaro. “É mais que isso: é pedofilia. E lugar de pedófilo é na cadeia”, afirmou a emedebista. “Eu não tenho medo. Já chamei o presidente de ‘covarde’. Não tenho medo de dizer que ele cometeu o crime.” Ela já tinha se referido ao caso, dois dias antes, quando disse que Bolsonaro estimula a violência contra meninas e mulheres.

Mais protestos

Conselheiros tutelares do Distrito Federal também protestaram contra a atitude de Bolsonaro na última quarta (19), em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília. “Não toleramos que ‘pinte um clima’ entre um homem de 67 anos e meninas. Isso não é normal, isso não é aceitável e isso nos indigna! Por elas, estamos na Praça dos Três poderes”, disseram os conselheiros, em nota.

Da mesma forma, apresentadora Xuxa Meneghel também postou vídeo em repúdio a Bolsonaro. Ela relatou casos de abuso que sofreu durante a infância e adolescência, e disse ter ficado “muito mexida e enojada” quando o presidente disse que “pintou um clima” com as menores. E foi taxativa em sua mensagem aos fãs, seguidores e eleitores: “Não votem nesse homem”.