São Paulo

Metrô vai manter sistema famoso por falhas, paralisação de linhas e atrasos contratuais

CBTC promete reduzir intervalos entre trens e aumentar eficiência. Sistema custou R$ 720 milhões, tem seis anos e ainda não funciona. Decisão contraria Ministério Público

Tércio Teixeira/Folhapress

Manifestantes ocupam Avenida Paulista contra Geraldo Alckmin e corrupção no Metrô, em fevereiro

São Paulo – Cai uma garoa fina e persistente sobre a zona oeste de São Paulo quando desço as escadas da estação Vila Madalena, na Linha 2-Verde do Metrô. É domingo (16) e faz um pouco de frio depois de um longo período seco de calor. A plataforma me recebe semideserta. Um trem acaba de sair rumo à estação Vila Prudente, e apenas um metroviário caminha pela superfície de concreto. Seus ouvidos estão colados a um radiocomunicador. Ouço a conversa quando ele passa por mim. Entre as instruções, consigo distinguir a palavra “cebetecê”, repetida mais de uma vez entre os ruídos do aparelho. Desconfio.

CBTC na verdade é uma sigla que identifica o novo sistema de sinalização e controle de trens do Metrô de São Paulo. São as iniciais para Communication Based Train Control, ou Controle de Trens Baseado em Comunicação, uma aposta da companhia para reduzir o intervalo entre composições, aumentar a vazão dos 4,6 milhões de passageiros que usam o serviço diariamente e combater a crescente superlotação. “Quando estiver operando, a capacidade de transporte será ampliada em 20%”, prevê o Metrô, que vê no CBTC uma solução temporária para o maior problema da malha metroviária paulista: seu tamanho. São apenas cinco linhas, 65 estações e 75,5 quilômetros de trilhos para uma metrópole de 11 milhões de habitantes.

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A concentração do funcionário às instruções radiofônicas sugeria que algo estava errado com o CBTC naquele domingo. Não seria uma surpresa. Adquirido pelo Metrô em 2008, o sistema ainda não funciona a contento. Nem a rotina de testes, iniciada em 2010, obedece ao roteiro planejado. Por enquanto, o CBTC opera apenas aos domingos e somente na Linha 2-Verde, em regime de avaliação. As provas também abrangem o trecho entre as estações Sacomã e Vila Prudente, também na Linha 2-Verde, em tempo integral. A ideia do Metrô é ajustar paulatinamente o sistema durante as provas dominicais. Depois, os testes seriam estendidos aos sábados e, então, aos dias úteis. “A implantação do sistema CBTC nas linhas 1-Azul e 3-Vermelha depende da conclusão do processo de implantação na Linha 2-Verde”, atesta a companhia.

Após uma espera mais demorada, natural aos domingos, a composição que me levaria para um encontro com amigos se alinha à plataforma da estação Vila Madalena. É um trem da frota J, recentemente modernizada pela canadense Bombardier, e que na Linha 2-Verde circula apenas aos domingos. Subo no primeiro vagão. Ainda com o radiocomunicador colado aos ouvidos, o metroviário faz o mesmo. Enquanto tomo assento, ele abre com certa dificuldade a porta de vidro negro da cabine e se fecha lá dentro. Vamos partir – só que não. Conforme passa o tempo, outros passageiros entram, sentam-se e esperam. Outro condutor – que trouxera o trem da Vila Prudente até a Vila Madalena – aparece. Saiu da outra ponta da plataforma, da cabine que agora ficará na parte traseira da composição, e também tem os ouvidos colados num radiocomunicador. Olha pela janelinha da cabine, onde encontra seu colega, e bate no vidro, que se abre. Ambos com a atenção no rádio, conversam.

Lá se vão 15 minutos quando os alto-falantes do trem finalmente anunciam o motivo do paralisia: “Atenção, devido a uma falha de via, estamos operando com velocidade reduzida e maior tempo de parada”. Imediatamente pego o celular e envio um SMS para uma pessoa que trabalha no Metrô, repassando ipsis literis a mensagem que acabo de escutar. A resposta vem em seguida, na forma de pergunta: “CBTC?” Não faço ideia, escrevo, explicando-lhe apenas que estou há um bom tempo parado na Linha 2-Verde, e que tinha ouvido condutores falando pelo rádio sobre CBTC. Quando estou na estação Consolação, já com o trem em movimento, meu celular apita. “Confirmado”, atesta a mensagem, “foi falha de CBTC”. No dia seguinte, eu saberia que naquele domingo, por volta das 14h, o Metrô perdera a visualização dos trens. Isso quer dizer que a tela dos computadores que monitoram o tráfego na Linha 2-Verde não faziam a menor ideia em que parte da malha estavam as composições em circulação. É o que se chama de “trem-fantasma”.

“Ficou tudo na nossa mão”, explicou à RBA um condutor que levava passageiros rumo à estação Vila Madalena no momento da falha, e que prefere não se identificar para evitar represálias do Metrô. A pane do último domingo não foi a primeira nem a mais grave já ocorrida com o CBTC durante os testes dominicais na Linha 2-Verde. É só a mais recente, registrada quatro dias antes do prazo estabelecido pelo Ministério Público para que o Metrô informasse se continuaria instalando o novo sistema ou se o abandonaria de uma vez. Os problemas de domingo parecem não ter influenciado na decisão da companhia. A resposta à promotoria veio a público na noite de ontem (20), após reunião entre seus executivos: o CBTC fica.

Investigada por dois crimes no Brasil, a Alstom é a empresa contratada pelo governo de São Paulo para desenvolver e instalar o CBTC nas linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha do Metrô. O valor do contrato ultrapassa os R$ 720 milhões. Em razão dos atrasos, porém, a multinacional francesa já teve de arcar com multas de R$ 77 milhões. A situação do CBTC é tão complicada que há cerca de um ano os pagamentos estão suspensos. Isso não impediu, porém, que a empresa já embolsasse R$ 490 milhões dos cofres estaduais. De acordo com o Metrô, o pagamento se deve ao que foi feito até agora em trens e linhas. A Alstom é acusada de corrupção no fornecimento de equipamentos elétricos à Empresa Paulista de Transmissão de Energia (EPTE) e formação cartel em contratos metroferroviários com o governo estadual, ambos em conluio com membros da administração tucana.

Em nota, o Metrô explicou sua decisão, afirmando que houve “forte disputa” na licitação para contratação e instalação do CBTC na malha metroviária paulista. E que a concorrência seguiu as regras estabelecidas pela Lei 8.666, de 1993, conhecida como Lei de Licitações, e pelo Banco Mundial. A companhia argumenta que, apesar de ter custado R$ 720 milhões, a Alstom deu um desconto ao Metrô no preço cobrado inicialmente. Quanto aos atrasos, a estatal lembra que já “foi iniciado um procedimento arbitral tratando das divergências e prejuízos sofridos pelo estado de São Paulo”. Portanto, conclui, “diante da ausência indícios suficientes de irregularidades, o Ministério Público de São Paulo foi informado sobre o não acolhimento da recomendação para a suspensão do contrato”. A nota, porém, não traz nenhuma palavra sobre as falhas.

Problema semelhante ao ocorrido no último domingo havia sido registrado pelo Metrô no domingo anterior (9). Tanto que a companhia abriu um procedimento interno para apuração de falhas, conhecido como Incidente Notável ou apenas IN. A pane de duas semanas atrás está registrada nos relatórios da empresa como IN-19/2014, e provocou uma paralisação de 17 minutos na Linha 2-Verde. Sete trens empacaram nas plataformas e outros cinco, no túnel, sem que os usuários pudessem deixar os vagões. No último domingo (16), os atrasos teriam chegado a 40 minutos. E também houve trens parados no túnel.

Desde 2010, ano em que começou a ser testado na Linha 2-Verde, há registros de panes ocorridas com o CBTC. As falhas vêm sendo expostas por condutores de trens em relatórios internos do Metrô, aos quais a RBA teve acesso. Atas das reuniões ordinárias da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da Linha 2-Verde também atestam queixas dos metroviários em relação ao desempenho do sistema fornecido pela Alstom. Trocas de e-mails entre funcionários e supervisores da companhia, relatando problemas com CBTC, se somam aos registros de problemas. Metroviários alertam, porém, que uma série de defeitos jamais chegou a ser registrada. “O Metrô muitas vezes nos desencoraja a oficializar panes”, dizem.

A decisão da companhia em continuar com o CBTC, porém, parece ter desencadeado uma campanha – entre os condutores, ao menos – para que todas as falhas ocorridas com o problemático sistema da Alstom seja devidamente reportada ao Metrô. “Assim teremos um histórico oficial se alguma coisa grave ocorrer no futuro”, assegura um metroviário que prefere se manter no anonimato. O descontentamento dos funcionários se deve sobretudo à recusa da empresa francesa em prestar esclarecimentos sobre o sistema. Membros da Cipa vêm requisitando a presença de técnicos da Alstom em suas reuniões há mais de um ano, sem jamais terem sido atendidos. “Nem os engenheiros do Metrô parecem conhecer a fundo o CBTC.”

Defeitos mal resolvidos e nunca explicados têm feito com que a implementação do CBTC tenha provocado episódios perigosos a trabalhadores e usuários da Linha 2-Verde. Trens em rota de colisão, por exemplo, como ocorreu em 18 de fevereiro de 2012. Na ocasião, segunda denúncias de funcionários, houve risco de os trens E04 e G20 ocuparem a mesma via entre o pátio Tamanduateí e a estação Vila Prudente. Em outras ocasiões, ao chegar à estação Vila Prudente, numa das extremidades da Linha 2-Verde, o trem movido pelo CBTC seguiu rumo ao paredão. Após desembarque e embarque de passageiros, o trem seguiu na mesma direção, quando deveria tomar o sentido contrário, rumo à estação Vila Madalena, na outra ponta da linha. Nesses casos, os condutores agiram rápido e aplicaram freios de emergência, paralisando a composição. “Isso ocorreu pelo menos cinco vezes, sobretudo em 2011”, afirmam metroviários.

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