mais que memória

Ex-alunos pedem tombamento de ETEC que teve terreno doado a gigante do café

Requerimento ao Condephaat é mais uma das medidas de associação que luta em defesa de um colégio agrícola público. Perto de completar 100 anos, a escola construída em Pinhal, no interior paulista, está na mira de interesses econômicos e políticos locais

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Instalações do colégio construído na década de 1930 para formar mão de obra qualificada para a cultura do café

São Paulo – Ex-alunos e professores da Escola Técnica Agrícola (ETEC) Dr. Carolino da Motta e Silva, localizada em Espírito Santo do Pinhal, no interior paulista, pediram o tombamento da instituição perto de completar 100 anos. O requerimento foi protocolado há dez dias no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado de São Paulo, por meio da associação que representa aqueles que ali estudaram e lecionaram.

O objetivo é que o poder público adote as medidas necessárias e legais para o restauro e preservação do colégio construído na década de 1930 para formar mão de obra qualificada para o café. A cultura agrícola e sua cadeia ainda tem grande importância na região mogiana. As edificações e o conjunto da escola, de tão relevantes para a memória de toda a cidade, já foram reconhecida pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural de Pinhal, como a cidade é mais conhecida.

À RBA, o vice-presidente da entidade, Márcio Ackermann, disse que o pedido de tombamento inclui todas as edificações e também a área do antigo cafezal experimental do colégio, alvo de disputas. O terreno de 19,28 hectares (equivalente a 192.883 metros quadrados), com mais de 22 mil pés de cafe, foi transferido pelo Estado à Prefeitura de Pinhal em 2016. Logo após, em abril de 2019, a gestão municipal autorizou a doação à Pinhalense Máquinas Agrícolas.

ETEC no centro de ataques ao patrimônio público

Trata-se da indústria Pinhalense, gigante do setor de equipamentos para o beneficiamento do café. Conforme seu site oficial, trata-se da “líder mundial em tecnologia para processamento de café”. Com máquinas em operação em quase 100 países para clientes de todos os portes, atua também nos segmentos de cacau, castanha, feijão, cereais, pimenta e noz macadâmia.

Entretanto, o ataque ao patrimônio público não foi de maneira direta. Por meio da Lei Estadual 16.338, aprovada em 2016, que autoriza alienação de áreas – Inclusive pertencentes a escolas agrícolas do Centro Paula Souza e de vários institutos de pesquisa estaduais – o governo transferiu o cafezal à prefeitura local. Por sua vez, a gestão aprovou lei para incorporá-lo à área urbana do município. O argumento era criar o distrito industrial Laércio Casalecchi. No fim, a Pinhalense foi beneficiada com 90% da área.

Segundo professores e funcionários do colégio agrícola, em 2016 já havia movimentação na escola envolvendo dirigentes da empresa. Foi realizada inclusive reunião informado que o cafezal seria transformado em uma nova unidade fabril. Apesar de protestos, o manejo dos pés de café foi paralisado, trazendo prejuízos à Cooperativa da Escola Agrícola e à manutenção da Fazenda Escola.

Área industrial criada sem licenciamento ambiental

Esse processo, aliás, foi marcado por prejuízos ambientais. Conforme a associação dos ex-alunos e professores, as obras no terreno para abertura do distrito industrial tiveram início sem alvará municipal ou licença ambiental. A legislação relativa ao meio ambiente determina que atividades potencialmente poluidoras, como é o caso de instalação de indústrias, exigem licenciamento ambiental. Ou seja, um rito de licenciamento para a instalação e outro para operação.

Em meio às irregularidades, agentes da Cetesb, a agência ambiental paulista, não consultaram a administração da escola pra comprovar a versão oficial, que negava a instalação de área industrial. O argumento, que bastou, foi o de que se tratava de manejo no terreno para evitar incêndios. O caso foi denunciado à polícia, que não deu andamento. E a luta pela exigência de licenciamento é uma entre tantas dos ex-estudantes e professores em defesa do patrimônio público onde estudaram.

Recurso ao MP em defesa da ETEC Dr. Carolino

Outra foi um recurso ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) nesta semana. No último dia 22, o órgão arquivou representação pedindo ações pelo cancelamento da doação de terras à Pinhalense. E também a “devolução das terras, outrora doadas pelo Estado a prefeitura de Pinhal, reintegrando-as à Fazenda Escola do Colégio Agrícola de Pinhal, ETEC Dr. Carolino da Motta e Silva”.

Contra o argumento do promotor Allyson Coradini, de que não havia sido fornecida a documentação comprobatória, eles apresentaram tudo novamente, agora com seu teor ainda mais robusto. Para a associação, o arquivamento “fortalece os interesses econômicos e políticos locais, em detrimento ao bem público e o interesse coletivo”. E, em última instância, a decisão “fere a educação pública profissional do país”.

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