tem de mudar

Especialista pede reconstrução de cidades do Rio Grande do Sul em áreas seguras

Professor da Universidade Federal do Rio Grande defende reconstrução em áreas diferentes daquelas que foram tomadas pelas águas

Reprodução/Youtube
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São Paulo – A reconstrução de cidades do Rio Grande do Sul após impactos das fortes tempestades desde o final de abril deve considerar que as mudanças climáticas vieram para ficar. E que os eventos extremos se repetirão com frequência, o que requer construções em lugares mais seguros. O alerta é do professor de Ecologia Marcelo Dutra da Silva, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), em entrevista à jornalista Ligia Guimarães, publicada nesta quarta-feira (8) pela BBC Brasil.

“Vamos ter que reconstruir, sim, só que agora pensando em pontes que são muito mais elevadas e robustas, estradas que são muito mais preparadas e resilientes a processos tão extremos de presença de água”, disse o especialista. Nesta quarta, balanço oficial elevou para 100 o número de mortos. São 120 os desaparecidos e mais de 163 mil estão sem casa. Como a chuva voltou em muitas regiões, as buscas foram interrompidas momentaneamente.

De acordo com o professor, o plano de reconstrução das cidades não poderá mais se basear em edificações nas áreas baixas, planas e úmidas e ambientes de margem de rios, lagos e córregos. É em regiões assim que estão muitas cidades da costa, como Pelotas e mesmo em bairros de Porto Alegre próximos ao Lago Guaíba. E tantas outras, como Muçum e Lajeado, no Vale do Rio Taquari. Os municípios foram afetados por inundações três vezes em 2023. Em junho, setembro e novembro.

“Algumas pessoas já estão tão desalentadas que já dizem em entrevistas que nem compraram mais móveis, mais carro, porque sabem que vão perder de novo”, disse, lembrando que, nesse caso, o poder público falhou ao permitir que as famílias reconstruíssem suas vidas no mesmo lugar, sem oferecer alternativas mais seguras.

Segundo o professor, o olhar daqui para a frente precisa ser mais técnico. E as cidades têm de ser adaptadas às situações tão extremas. “Críticos vão dizer que estamos preocupados só com a biodiversidade, e argumentam que é preciso pensar na vida das pessoas, no desenvolvimento. Se eu estivesse só preocupado com a biodiversidade tudo bem, mas nem estamos mais falando disso, neste caso”, disse. “Estamos falando de sobrevivência, porque significa você colocar lá um empreendimento e ele ficar debaixo d’água.”

Reconstrução em áreas mais seguras

Ou seja, reconstruir por reconstruir, refazer tudo exatamente como e onde estava o que foi destruído nesse evento de agora, não resolve. “Precisamos devolver para a natureza esses espaços que estão mais sensíveis ao alagamento”, alertou.

O especialista defende rapidez “na correção” de cidades para adaptação à nova realidade climática. Em outras palavras, que as cidades permitam o fluxo da água com mais facilidade para o oceano. E assim evitar enchentes como estas, que mantêm encobertas cidades na Região Metropolitana de Porto Alegre. “Precisamos permitir que a água passe, que a água flua, em vez de tentar barrá-la. Temos que recuperar, por exemplo, a vegetação natural nas áreas de preservação permanente e de produção”.

A reconstrução do Rio Grande do Sul, ressaltou, terá de ser em áreas mais seguras e resistentes às variações climáticas extremas, que vieram para ficar. “Cidades inteiras vão ter que mudar de lugar. É preciso afastar as infraestruturas urbanas desses ambientes de maior risco, que são as áreas mais baixas, planas e úmidas, as áreas de encostas, as margens de rios e as cidades que estão dentro de vales. As áreas urbanas dos municípios gaúchos avançam sobre áreas úmidas remanescentes”, disse.

“Em geral, as áreas mais valorizadas pelo setor imobiliário para grandes empreendimentos e pela própria população são justamente as mais vulneráveis a inundações: próximas a margens de rios e lagos, ou em áreas planas, baixas e úmidas”, lembrou.

A questão é que, além de menos resilientes, essas áreas são as que têm papel importante na prevenção de enchentes, já que deveriam servir como “esponja” em períodos de chuvas fortes. “Essas áreas são importantes, porque têm o que chamamos de efeito esponja: esse serviço dado pela natureza é justamente para que quando há uma grande carga d’água ela vá para lá, e as zonas mais altas fiquem seguras”, disse.

Pessoas terão de ser convencidas

O professor defendeu mudanças drásticas para que haja eficiência em alertas à população sobre potenciais desastres. “Quaisquer tecnologias de aviso serão inúteis se continuarmos mantendo as pessoas e as infraestruturas nos lugares que estarão sempre em risco. E como lembrou, não se trata apenas de retirar a população que mora em áreas de encostas. E sim de todas as regiões sensíveis a situações de alagamento e deslizamento.”

O professor enfatizou também que é preciso convencer a população da nova realidade, ou seja, que as mudanças climáticas não são coisa de um futuro distante. E mais: de que veio para ficar. “Infelizmente, tem gente que acha que isso aconteceu, mas amanhã passou e vida que segue”, disse. “Não é um momento; é um período que talvez seja assim por muito tempo, e precisamos nos preparar para nos encaixar dentro dele”.

Em junho de 2022, quando pelo menos 90 pessoas morreram devido às chuvas, o especialistas já chamavam atenção para o despreparo dos municípios gaúchos para lidar com esses eventos extremos. Em audiência pública na Câmara Municipal de Pelotas, advertiu que as prefeituras não sabiam quais eram suas áreas de risco, quais regiões eram vulneráveis a inundações, ou quem seriam os primeiros moradores do Estado a serem atingidos pelas águas.

Como ressaltou o professor, não é possível impedir que o evento climático ocorra. Mas é possível reduzir os danos afastando as pessoas das áreas de maior risco. “É possível saber onde o evento se torna mais grave primeiro”, disse, lembrando que o planejamento ambiental possibilitaria a retirada, com antecedência, de moradores das áreas mais vulneráveis.

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Redação: Cida de Oliveira – Edição: Helder Lima


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