Negacionismo climático

Governador do Rio Grande do Sul seguiu Ricardo Salles no desmonte ambiental

Já em seu primeiro ano de mandato, Eduardo Leite (PSDB) alterou cerca de 480 normas do Código Ambiental do Rio Grande do Sul, o que provocou um “afrouxamento das leis de proteção ambiental”, avaliam especialistas. “Estamos pagando a conta da destruição ambiental”

Reprodução/RBS
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Eduardo Leite, com o então ministro Salles em 2019, quando privatizou os parques gaúchos

São Paulo – O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), é um articulador, junto à Assembleia Legislativa do RS, do desmonte das leis estaduais de proteção ambiental. Desde seu primeiro ano de mandato, em 2019, o tucano alterou cerca de 480 normas do Código Ambiental do estado, de acordo com um levantamento divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. As mudanças acompanharam o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, em paralelo, pelo então ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro (PL), o hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP).

“O atual governador destruiu esse Código Ambiental”, disse ao jornal o biólogo Francisco Milanez, diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). De acordo com o especialista em análise de impacto ambiental, o Código Ambiental levou quase 10 anos para ser elaborado e contou com a participação de diferentes setores da sociedade civil. A primeira tentativa de mudança, contudo, ocorreu sob o governo Leite, quando o chefe do Executivo tentou flexibilizar dispositivos em regime de urgência.

A manobra, na época, foi impedida pela Justiça gaúcha. Porém, o processo seguiu no Legislativo, onde o desmonte foi aprovado pela base governista, maioria na Casa. Ainda segundo Milanez, o novo Código Ambiental ignorou o debate com a sociedade. Na sequência, em 2021, Lei alterou a lei de agrotóxicos, aprovada no começo da década de 1980 de forma pioneira no hemisfério sul. A mudança derrubou o trecho que estabelecia que qualquer agrotóxico só pode ser licenciado no estado se também estivesse liberado em seu país de origem.

Eduardo Leite articulador do desmonte

Neste ano, mesmo após as enchentes e as chuvas torrenciais que fizeram centenas de vítimas em 2023, o governador sancionou o Projeto de Lei (PL) 151/2023, de autoria do deputado estadual delegado Zucco (Republicanos), que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP) no Rio Grande do Sul. O objetivo da proposta é proporcionar alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária, de modo a enfrentar períodos de estiagem.

No entanto, de acordo com o diretor técnico da Agapan, a medida afeta o fluxo natural da água, o que pode agravar as cheias de rios e chuvas mais concentradas. “O Rio Grande do Sul foi pioneiro na legislação ambiental e na própria luta em prol do meio ambiente no Brasil. E agora está fazendo o pior papel possível. Nesses últimos anos, nós estamos pagando a conta da destruição ambiental e ela se dá por várias formas.”

Ao mesmo jornal, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, acrescentou que o desmonte ambiental também conta com a participação do Congresso Nacional. O especialista relembra, por exemplo, o PL 3.729/2004, aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados, que flexibiliza normas e dispensa diversas atividades da obtenção do licenciamento ambiental. A medida é considerada um retrocesso por entidades ambientalistas, mas teve votação favorável de 22 parlamentares do Rio Grande do Sul, filiados aos partidos PL, PP, PDT, PSDB, MDB, Republicanos, Novo, MDB, Podemos e PSD.

Conta da destruição ambiental

“Existem projetos de lei de anistia para desmatadores e grileiros, projeto de lei que acaba com as demarcações de terras indígenas e coloca em revisão as já existentes no Brasil, – lembrando que a terra indígena é a forma mais rápida de conter desmatamento. Existem PLs de liberação de mineração em unidades de conservação e para subverter o uso do Fundo Amazônia”, adverte Astrini.

O especialista avalia que Leite ignorou alertas de desastres e protagonizou a diminuição da proteção ambiental. Além das inundações no ano passado, o RS também sofreu com secas severas entre 2021 e 2022. “Se o governador não acreditar agora nessa questão de clima, eu não sei qual vai ser o momento”, completa o secretário-executivo.

Governador é responsável por tragédia, diz pesquisa

Uma pesquisa da Quaest/Genial Investimentos, divulgada nesta quinta-feira (9), mostrou que as criticas dos ambientalistas são acompanhadas pela população. Para 68% dos entrevistados, o governo de Eduardo Leite tem muita responsabilidade na tragédia que se abate no Rio Grande do Sul. O mais recente boletim da Defesa Civil do estado mostra que subiu para 107 o número de mortos em razão dos temporais. Há ainda um óbito sendo investigado, 136 desaparecidos e 374 feridos.

Outras 232,1 mil pessoas estão fora de suas casas. Sendo que desse total, a grande maioria – 164.583 –estão desalojados em casas de familiares, amigos ou abrigos em igrejas e instituições da sociedade civil. A Quaest também aponta que apenas 20% acredita que a gestão do tucano tem pouca responsabilidade e 12% avaliam que não tem nenhum responsabilidade.

A pesquisa foi realizada entre os dias 2 e 6 de maio com 2.045 pessoas, em 120 municípios. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Em nota, o governo de Eduardo Leite alegou que a mudança de quase 500 normas do Código Ambiental teve como base discussões com a sociedade civil e que as catástrofes climáticas “não podem ser atribuídas à atualização da lei”. “A atualização alinhou a lei estadual à legislação federal. A modernização acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável”, argumentou o Executivo estadual.

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Redação: Clara Assunção


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