Turbulência

123Milhas: recuperação judicial deve prejudicar ainda mais os consumidores

Recuperação judicial suspende por 180 dias todas as cobranças contra a 123Milhas. Clientes lesados estão no “final da fila” de credores a serem ressarcidos, afirma advogada

Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Mesmo com suspensão, consumidores lesados devem entrar na Justiça "com a maior brevidade possível"

São Paulo – Com R$ 2,3 bilhões em dívidas, a 123milhas entrou com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça de Minas nesta semana. Na última quinta-feira (31), a juíza de Direito Claudia Helena Batista, da 1ª vara Empresarial de Belo Horizonte (MG) aceitou o pedido. Assim, a decisão suspende todas as ações e execuções contra a agência digital de viagens por 180 dias.

Trata-se de mais uma péssima notícia para os consumidores. Nos próximos seis meses, eles não verão a cor do dinheiro que desembolsaram na compra de passagens aéreas a baixo custo e pacotes de turismo promocionais.

Além disso, os consumidores lesados “dificilmente serão ressarcidos pelo montante total que pagaram”, afirma a advogada Janaína De Castro Galvão, sócia da Área Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados.

No dia 18 de agosto, a agência suspendeu a emissão de passagens para embarques previstos entre setembro e dezembro deste ano, por “motivos alheios à sua vontade”. Em vez de ressarcir em dinheiro os consumidores lesados, a 123Milhas passou a emitir vouchers que só podem ser utilizados em compras futuras somente na própria plataforma. No entanto, a empresa também suspendeu a emissão dos cupons de ressarcimento, assim que entrou com o pedido de recuperação judicial.

“Agora, a 123Milhas tem um prazo para apresentar o seu plano de recuperação, onde listará, de maneira detalhada, o valor do seu débito, como pretende se reerguer financeiramente, e de que forma irá pagar todos os seus credores, dentre eles, os consumidores lesados. Esse plano também passará, no momento oportuno, pela aprovação de um comitê de credores para que tenha validade. E precisará contar com aprovação da maioria em todas as classes do comitê. Só então, os clientes poderão começar a receber”, explica Janaína.

Consumidores no final da fila

Na decisão que homologou o pedido de recuperação judicial, a juíza chamou a atenção para a extensa relação de credores da empresa. “Num cálculo inicial e aproximado ultrapassa 700 mil pessoas. A grande maioria consumidores”, afirmou.

Nesse sentido, a advogada especialista em direito do consumidor explica que, após a aprovação do plano de recuperação, há uma ordem de pagamento pré-estabelecida pela própria lei, em relação às dívidas da empresa. E os consumidores estão “no final da fila”.

“Primeiramente a empresa deve pagar os créditos trabalhistas (dos funcionários da empresa). Depois aqueles credores que possuem alguma garantia real para recebimento. No final da fila de pagamento estão os credores chamados de quirografários, categoria essa em que se incluem os consumidores lesados”, afirma Janaína.

De acordo com a advogada, o plano de recuperação “deverá conter as formas de pagamento para todos os seus credores, eventual deságio do valor, forma de parcelamento destas quantias e período de carência para pagamento”. Ao mesmo tempo, administradores judiciais indicados pelo Justiça apresentarão a lista ao credores, que terão um prazo para se manifestar sobre eventuais divergências a respeito dos valores que lhe são devidos.

Perdas e indenizações

Ela ressalta ainda que geralmente, em casos de recuperação judicial, a empresa atingida acaba refinanciando suas dívidas com “algum deságio”. “Em outras palavras, os consumidores da 123Milhas dificilmente serão ressarcidos pelo montante total que pagaram por suas passagens e pacotes de turismo. Por exemplo, se um cliente tiver um crédito de R$ 2 mil, pode ser que ele venha a receber R$ 1 mil, de forma parcelada. Tudo irá depender do plano de recuperação que a empresa vai apresentar nas próximas semanas”.

A especialista afirma, no entanto, que o processo de recuperação judicial não suspende nem proíbe o ajuizamento de ações contra a empresa. “Por isso, é altamente recomendável que os consumidores lesados procurem, com a maior brevidade possível, seus advogados de confiança para que possam encaminhar ao Poder Judiciário seus pedidos de indenização”. Assim, os defensores devem endereçar as ações ao administrador judicial que administra o processo de recuperação.

Esquema de Pirâmide

Também nesta semana, os irmãos Augusto Júlio Soares Madureira e Ramiro Júlio Soares Madureira, sócios da 123Milhas, deveriam prestar depoimento à CPI das Pirâmides Financeiras. No entanto, por duas vezes seguidas, eles faltaram ao depoimento, ignorando a convocação. A CPI também aprovou a quebra de sigilo fiscal e bancário da 123milhas e dos sócios Ramiro, Augusto e Cristiane Soares Madureira do Nascimento.

Nesse sentido, o presidente da CPI, Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), já identificou “sérios indícios” que o caso da 123Milhas configura-se como prática ilegal de esquema de pirâmide. Do mesmo modo, o relator da comissão, apontou que o pedido de recuperação judicial indica que “algo de muito errado estava ocorrendo ali”. 

No entanto, para a advogada Janaína De Castro Galvão, a suspeita de cometimento de crimes financeiros pouco afetará a situação dos consumidores prejudicados. “Especialmente porque seus eventuais pedidos de indenização por danos materiais e morais contra a empresa são provenientes de ilícitos civis, referentes à não emissão dos bilhetes aéreos mesmo após terem recebido o pagamento do valor.  Não há, de modo geral, qualquer relação de prejudicialidade ou até mesmo de facilitação entre a investigação conduzida pela CPI e o recebimento de valores pelos consumidores”, explica a especialista. 


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