Democracia Direta

Participação social deve colaborar para que Plano Diretor de SP saia do papel

Tema central para os interesses políticos, sociais e econômicos da cidade produziu grande vitória do controle social sobre as políticas públicas, avaliam movimentos

arquivo RBA

O MTST permaneceu acampado em frente à Câmara durante uma semana para pressionar a aprovação do plano

São Paulo – Não é exagero dizer que a articulação popular pela aprovação do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, que teve início há 9 meses e terminou nesta segunda-feira (30), equivale em importância às jornadas de junho de 2013, quando diversas cidades do país, incluindo a capital paulista, revogaram aumentos de tarifas de transporte público. Apesar de não ter a mesma repercussão, os avanços obtidos na letra fria da lei representam o reconhecimento da questão urbana como debate central, a união de grupos que não andavam juntos, o amadurecimento de movimentos que conseguiram lidar com um assunto técnico e foi, na avaliação dos próprios movimentos de moradia e do prefeito Fernando Haddad (PT), uma vitória sobre os agentes da especulação imobiliária.

Os canais de participação e a contribuição dos movimentos foi fundamental para que o plano tivesse mais apoio social, o que culminou no acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) durante quase uma semana diante da Câmara Municipal para garantir que a lei fosse aprovada com o texto como havia sido apresentado pelo relator. Dessa forma, a participação foi completa desde a elaboração até a pressão durante a votação.

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“Os avanços que a gente conseguiu no Plano Diretor foram graças a mobilização popular. A gente sabe do peso do capital imobiliário na cidade de São Paulo. Se não fosse o povo organizado, a grande vitória que tivemos não seria alcançada. Pra nós, apesar de o plano diretor não ser o melhor dos mundos, consideramos uma vitória”, afirma o coordenador estadual do MTST, Josué Rocha.

O resultado dessa mobilização em torno do projeto de lei, acreditam os especialistas ouvidos pela RBA, dão mais força para que os mecanismos previstos no PDE saiam do papel. Para isso, avaliam, é preciso continuar mobilizado.

Até a urbanista e professora da Universidade de São Paulo, Ermínia Maricato, que já se declarou descrente em relação a legislação urbanista por entender que quem “planeja a cidade é o capital”, acredita que o processo desse Plano foi diferente do anterior, aprovado em 2002, durante o governo petista de Marta Suplicy. “Sem dúvida o fato de ter pessoas acompanhando dá mais importância ao Plano. Dá mais chance de se tornar efetivo”, argumenta.

Para ela, a entrada em cena do MTST oxigenou a participação popular. “Os movimentos mais tradicionais foram engolidos pela institucionalidade. A vocação do Estado brasileiro é a cooptação. Nunca fomos tão participativos e isso não mudou a nossa questão urbana, ao contrário, as cidades pioram no contexto participativo”, diz a urbanista. “Não tenho a menor dúvida que o MTST é uma renovação, que vem junto com as jornadas de junho.”

O movimento que tem conseguido colocar com regularidade mais de 10 mil pessoas nas ruas, no entanto, não era muito dado aos embates institucionais. A atuação sempre se deu prioritariamente nas ruas. Apesar de nunca terem deixado a rua e usado a estratégia de ocupações, grupos mais tradicionais, como Central de Lutas Populares, Frente de Luta por Moradia, União Nacional de Moradia foram os que tiveram participação mais efetiva na elaboração da lei, uma complexa reunião de termos técnicos, mapas, incisos e 389 artigos.

“Nós temos uma história”, ressalta a militante da Central de Movimentos Populares (CMP), Luiz Gonzada da Silva, o Gegê. “Estamos aí desde muito antes de 2002. Eles preferiram apostar nas ocupações e não participaram da elaboração. Enquanto isso, ficamos sentados na mesa, debatendo, construindo”, garante. Ele frisa que essa participação demanda um tipo de atuação difícil, com menos adrenalina do que as ruas oferecem. “O povo tem seus enfrentamentos no dia a dia, na vida cotidiana. Quando você fala em ir em uma audiência, o povo não quer. Poque chega lá, os caras ficam falando com aquele linguajar distante que afasta as pessoas”, acredita.

Ao todo, foram 126 audiências públicas (a lei exige duas) cujas as contribuições foram sistematizadas e publicadas em um site criado especialmente para isso. Essa inovação, inédita até então, deu mais credibilidade ao processo e manteve os eventos cheios até o final. “Essa participação foi muito importante porque deu mais legitimidade e força para o plano. Esses mecanismos de participação social são novos, o poder público não sabe usá-los direito ainda, mas foram muito importantes”, declara o urbanista Kazuo Nakano, que foi diretor da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e um dos responsáveis pela elaboração da minuta do plano enviada à Câmara. “Toda a mobilização foi importante para mostrar ao vereadores que a população não estava dormindo”, destaca.

Para ele, a sociedade estava mais madura e habituada a discussão sobre temas urbanos, muito em função do boom imobiliário e das consequências disso no dia a dia da cidade, como o encarecimento das moradias e a intensificação do trânsito.

Para Gegê, a mobilização em torno do plano foi diferente da de 2002, considerado bom à época, mas que pouco foi efetivado. “ Em 2002, houve participação mínima, que não se efetivou. Os governos, ou melhor os desgovernos seguintes, tinham políticas contrárias as poucas coisas que essa mínima participação obteve”, pontua. “Dessa vez não, o Haddad ou quem vier a sucedê-lo, sabe o que tem por trás do Plano. Eles vão ter que pensar duas vezes antes de contrariar o plano porque isso poderá gerar vários enfrentamentos na cidade.”

Uma das possibilidades do acompanhamento são os 33 conselhos participativos das subprefeituras. Eleitos no fim do ano passado, em pleito aberto à população, os conselhos são formados por lideranças comunitárias e sociais das regiões e devem acompanhar o orçamento e a realização de obras e projetos do executivo municipal. Junto a eles, estão os 27 conselhos temáticos – educação, saúde, habitação, etc. – e o Conselho Municipal de Planejamento e Orçamento Participativos (CPOP).

O CPOP será composto por um representante de cada um dos conselhos temáticos e das subprefeituras, além de membros das secretarias da administração municipal, para elaborar o orçamento da prefeitura, de forma a debater as demandas de cada região e de cada setor.

Colaborou Rodrigo Gomes

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