Futuro da cidade

Desinformação e personalização de críticas embolam debate sobre o Plano Diretor em SP

Police Neto (PSD) afirma que texto apoiado pelo governo encarece a cidade e expulsa pobres para periferia. Arquitetos negam, e ativistas acusam o parlamentar de ser 'vendido' às empreiteiras

arquivo rba

Desafio urbano representado pela capital paulista põe a prova limitações do Legislativo local

São Paulo – A situação é curiosa, de diálogo difícil, quase impossível. Enquanto movimentos exigem a aprovação do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo sem propor praticamente nenhuma alteração ao texto elaborado pelo vereador Nabil Bonduki (PT) e endossado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), o vereador Police Neto (PSD), líder do grupo de governistas descontentes e acusado por ativistas do movimento de moradia de ser o representante do setor mobiliário na casa legislativa, afirma que os militantes da questão da moradia estão “sendo enganados”.

O argumento, que tem a antipatia da esquerda pelo histórico de parceria de Police Neto com o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD, 2006-2012), aponta que o plano encarece a terra e expulsa os pobres para cada vez mais longe das regiões com mais infraestrutura na cidade.

O embate direto entre as partes começou nesta semana, quando o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) distribuiu materiais com a foto de Police Neto intitulados “O vereador das empreiteiras”, apontando para o fato de que ele teria recebido R$ 400 mil de empresas do setor para financiar sua campanha à Câmara Municipal em 2012. Ele estaria, na visão do movimento, criando obstáculos artificiais à aprovação do plano para garantir o cumprimento dos interesses do setor.

Segundo levantamento da RBA, na verdade, o vereador recebeu até mais dinheiro de empresas do setor: foram R$ 498,5 mil para aquela campanha, mas não é, nem de perto, o campeão de doações das companhias do ramo (Confira aqui reportagem sobre as doações das empreiteiras aos parlamentares da cidade).

Police Neto rechaça a informação. “Eu não sou adversário do plano. O que eu não concordo é enganar o povo, que é o que está sendo feito”, diz. E seu argumento principal contra a redação atual do PDE é, também, um contra-ataque aos movimentos, que o parlamentar considera “iludidos” ou “enganados”. De acordo com o vereador, o encarecimento dos valores pagos pelas construtoras para construir prédios acima do valor padrão em uma determinada área aumenta o custo da terra em toda a cidade, o que consequentemente empurra para mais longe do centro a população mais pobre.

A chamada outorga onerosa já é cobrada hoje. No entanto, deve aumentar nos próximos anos. Isso porque, até então qualquer um podia construir, na maior parte da cidade, em altura até duas vezes a área de um terreno. Agora, empreendimentos que construírem mais de uma vez terão de pagar.

“Há um desconhecimento absoluto. Completo. Há manipulação de quem diz que se votar a criação das Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social) vai ter casa para todo mundo. Esse mecanismo existe desde 2002 e não teve casa para todo mundo”, afirma. No entanto, arquitetos ouvidos pela RBA discordam dessa opinião.

Para o urbanista e professor da Fundação Getúlio Vargas Kazuo Nakano, que atuou na elaboração da minuta do projeto pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, o pagamento da outorga onerosa não é decisivo para o preço dos imóveis. “O percentual que o empreendedor vai pagar não é nada exorbitante, não chega nem a 5% do valor total. Essa cobrança de contrapartida não é o fator que encarece o imóvel. Até porque, nos últimos 10 anos, quando ela foi irrisória, o preço dos metros quadrados explodiu”, explica.

Para representantes dos movimentos sociais, a maior cobrança da outorga é uma forma de tornar viáveis mais habitações de interesse social, já que o PDE também prevê que 30% do valor arrecadado deve ser enviado para o Fundo de Desenvolvimento Social carimbado para a construção de moradias.

Além disso, há uma grande aposta na cota de solidariedade, que obriga empreendimentos com mais de 10 mil metros quadrados a doarem em terras ou em dinheiro o equivalente a 10% da área construída para construir imóveis para famílias de baixa renda. “Para nós, não importa se eles vão ou não construir apartamentos de alta renda. O que nos interessa é que, com o dinheiro que virá disso, vai se viabilizar a construção de casas para os mais pobres, sem criar guetos”, afirma a coordenadora da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM), Maria da Graça Xavier.

Police Neto também tem defendido com empenho no Plano Diretor o “retrofit”, nome dado a reformas para adequar construções antigas a novos padrões, e que pode, inclusive, contar com a mudança de autorização de uso de um edifício, de comercial para habitacional, por exemplo.

Para o vereador, sem o mecanismo, o plano incentiva que empreendedores derrubem edifícios já construídos para erguer outros, o que também contribuiria para o encarecimento da cidade. Nesse ponto, não há consenso a favor nem contra. Em conversas reservadas, os ativistas dos movimentos de moradia dizem ver com bons olhos a inclusão do incentivo ao retrofit no PDE, mas, desconfiados das intenções de Police Neto, dizem ainda não ter descoberto “qual a pegadinha” escondida na proposta.

Para Nakano, o mecanismo, amplamente usado em outros lugares do mundo, é positivo, mas deve ser feito com cuidado. “Nos Estados Unidos, por exemplo, os retrofits são mais voltados para as classes altas e médias. Então, é preciso ver como será feito aqui”, afirma. Além disso, o arquiteto aponta que, mesmo sem os custos de demolição, adaptar um prédio para outro uso costuma ser mais caro do que construir um novo. “No Brasil, um imóvel feito com retrofit sempre fica mais caro porque tem que ser totalmente adaptado. Em caso de prédios muito antigos, por exemplo, os padrões de segurança não são os mesmos. Nós não temos estrutura de financiamento para esse tipo de obra.”

O Plano Diretor deve ser votado nesta sexta-feira (27) e terá validade para os próximos 16 anos.

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