Como diz a lei

STF retoma julgamento que pode obrigar o MP a investigar mortes em operações policiais

O PL, partido de Bolsonaro, e o sindicato dos delegados pedem que a Corte declare inconstitucional a legislação que dá ao Ministério Público a prerrogativa de apurar

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Estudo aponta alto índice de pedidos de arquivamento de investigação, anulando a chance de punição dos policiais envolvidos em mortes

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (25) o julgamento que pode confirmar a prerrogativa do Ministério Público de investigar mortes em operações policiais. Esse poder de investigação criminal já é conferido no Estatuto do Ministério Público da União, da Lei Orgânica Nacional do MP e na Lei Orgânica do MP de Minas Gerais. No entanto, as normas vêm sendo questionadas por representantes do Partido Liberal (PL) e da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol).

Os agentes são autores de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que pedem a suspensão das regras. Entre outros pontos, a legislação autoriza a Promotoria a realizar diligências investigatórias, notificar testemunhas, requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da administração pública e pedir auxílio da força policial.

No entanto, para o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro não compete ao MP instaurar ou presidir investigações criminais. Já a agremiação afirma que normas impugnadas dão ao Ministério Público um poder de instrução penal incompatível com suas atribuições. Na avaliação dos delegados, elas atribuem ao órgão funções de polícia judiciária ede apuração de infrações penais.

Fachin confirma poder de investigação

A Constituição Federal reserva a atribuição de conduzir investigações criminais à Polícia Federal e à Polícia Civil. Mesmo assim, com base na legislação e no procedimento investigatório criminal (PIC) – instrumento não regulamentado por lei -, a Promotoria faz as vezes de polícia judiciária. O que dificulta o controle da legalidade das investigações do MP, na avaliação também de juristas. É o caso do advogado Renato Stanziola Vieira, doutor em Direito Processual Penal e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Ao abrir o julgamento das ADIs, nesta quarta (24), o relator dos processos, ministro Edson Fachin, reconheceu parcialmente as ações. Fachin apresentou uma proposta elaborada em conjunto com o ministro Gilmar Mendes. Para ambos, promotores e procuradores devem avisar a Justiça sobre a instauração e o encerramento da investigação. O procedimento deve seguir os mesmos prazos estabelecidos no inquérito policial para a conclusão da apuração.

Os ministros também estabeleceram que eventuais prorrogações de prazo devem passar por análise da Justiça. Ao votar para confirmar o poder investigatório do Ministério Público, Fachin reforçou que o órgão tem a função de exercer o controle da atividade policial. Dessa forma, o ministro entendeu que a abertura de investigação é obrigatória sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes de segurança pública em mortes ou ferimentos graves em consequência da utilização de armas de fogo. Em caso de descumprimento, será cabível a responsabilização funcional de membros do órgão.

Fiscalização da atividade policial

“A ideia é de não inibir uma atividade legitima, que é a atividade policial. Creio que isso contribui para atividade policial e o respeito aos direitos fundamentais”, afirmou. O relator também votou para garantir que o MP possa pedir perícias em casos criminais. A proposta de Fachin e Gilmar Mendes fixa ainda um prazo de dois anos para que os governos estaduais, municipais e estaduais criem leis para dar independência aos órgãos de perícia e assim evitar interferência da polícia no trabalho dos peritos.

Após o voto do ministro, a sessão foi suspensa para ser retomada nesta quinta. O julgamento começou em sessão virtual, mas foi transferido para o Plenário a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). O ministro Edson Fachin, que havia votado para declarar a validade das normas, observou que o voto apresentado na sessão de ontem foi dado em conjunto com o ministro Gilmar Mendes, que havia divergido, pontualmente, de suas conclusões anteriormente. Agora, eles chegaram a um “denominador comum”, conforme Fachin.

No caso do controle da atividade policial, o relator, ao reafirmar a função do MP nas investigações, para além do trabalho da polícia, observou que “o monopólio de poderes é um convite ao abuso de poder”. Contudo, um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2021, mostrou que o Ministério Público não vem cumprindo com sua função de fiscalizador. O documento mostrou que as Promotorias do Rio de Janeiro e de São Paulo pediram à Justiça o arquivamento de nove em cada dez casos de mortes provocadas por policiais nas capitais fluminense e paulista.

Além do alto índice de pedidos de arquivamento, o ato extingue as investigações e praticamente anula a chance de punição na Justiça. O estudo expõs ainda a demora na manifestação do MPs. Essa omissão das promotorias e a falta de investigações de qualidade, conforme o estudo, seriam responsáveis pela impunidade de policiais envolvidos em crimes. E provocaria um ciclo vicioso com mais mortes cometidas por agentes do Estado.

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Redação: Clara Assunção