Violência e impunidade

Anistia Internacional denuncia operação da PM de Tarcísio em relatório global

Relatório com dados de 156 países destaca denúncias de execuções sumárias, torturas e prisões forjadas pela PM paulista. E menciona ações policiais na Bahia e no Rio de Janeiro

Reprodução/Redes Sociais
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Operação Escudo da PM paulista já havia sido denunciada em Tribunal Penal Internacional

São Paulo – A Anistia Internacional denunciou em âmbito internacional as violações das duas fases da operação autorizada pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Baixada Santista, que matou ao menos 84 pessoas. A entidade detalha a violência praticada por agentes da Polícia Militar no litoral de São Paulo no relatório global sobre violações de direitos humanos “O estado dos direitos humanos no mundo”, divulgado nesta quarta-feira (24). O documento destaca as denúncias de “execuções sumárias, tortura e prisões forjadas” nas ações da PM até 1º de abril, quando a segunda fase da Operação Escudo foi encerrada.

O relatório, porém, menciona apenas as mortes do período de julho a setembro de 2023, correspondente à primeira fase da operação Escudo, quando 28 pessoas foram mortas em 40 dias. No entanto, a organização acredita que o dado esteja subestimado diante da gravidade da situação. Já a segunda fase, chamada oficialmente de Verão – e que não foi contabilizada no documento – pelo menos 56 pessoas morreram em toda a região, segundo dados oficiais. Mas o número de mortes pode superar 62.

No início de abril, a deputada federal Luciene Cavalcante, o deputado estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi, todos do Psol, denunciaram Tarcísio e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. Os parlamentares os acusam de crimes contra a humanidade por conta das dezenas de mortes na operação policial. De acordo com parlamentares, a decisão de levar as acusações surgiu da ausência de investigações a respeito das suspeitas de “execuções sumárias, tortura e prisões forjadas” nas ações.

Violência policial e impunidade

A Anistia Internacional também faz menção a ações policiais na Bahia e no Rio de Janeiro. Entre elas, os seis dias de operação da PM na Favela da Maré, na capital fluminense, que deixaram 120 mil moradores sem luz, atendimento médico e aulas. A organização contabiliza que pelo menos 394 pessoas foram assassinadas por policiais em operações apenas nos três estados.

“Intervenções policiais continuaram a causar a morte de crianças e adolescentes. Em 7 de agosto, a polícia matou Thiago Menezes, de 13 anos, quando ele passeava em uma motocicleta. Em 4 de setembro, o Tribunal de Justiça do Rio decretou a prisão preventiva de quatro PMs envolvidos no crime. Em 12 de agosto, Eloah Passos, de 5 anos, foi atingida por uma bala perdida enquanto brincava dentro de casa. Em 16 de agosto, Heloísa Santos, de três anos, morreu após ser baleada dentro do carro com sua família”, lembra o relatório.

A impunidade sobre o conjunto de fatos registrados também preocupa a Anistia Internacional. “O uso ilegal da força pela polícia continuou sem ser investigado de forma rápida ou eficaz. O desaparecimento forçado de Davi Fiuza, de 16 anos, durante batida policial em Salvador, na Bahia, em 2014, permaneceu sem solução. Três policiais indiciados pelo assassinato do ativista Pedro Henrique Cruz em 2018 em Tucano, também na Bahia, ainda não haviam sido levados a julgamento. E sua mãe, Ana Maria, continuava a sofrer ameaças e intimidações”, diz a Anistia.

No último dia 16, a entidade enviou representantes a uma reunião com o procurador-geral de Justiça do Ministério Público da Bahia, Pedro Maia, para tratar da execução do ativista assassinado. Pedro Henrique militava contra a violência policial no estado.

Brasil registra maiores níveis de desigualdade

O relatório global analisa a situação de 156 países e dedica cinco páginas ao Brasil. O documento também revela que mais de 3,4 milhões de possíveis violações de direitos humanos foram registradas em 2023. O número considera os registros da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, do governo federal, e indica uma alta de 41% em relação às denúncias registradas em 2022.

Segundo a Anistia Internacional, o dado mostra que o Brasil “continua a ter um dos maiores níveis de desigualdade do mundo”. Essa disparidade prejudica principalmente pessoas negras, trans e mulheres. Além da violência policial, as dificuldade da população em acessar direitos básicos, a demora na demarcação de terras indígenas e na titulação de territórios quilombolas são alguns dos aspectos que a organização resgatou para descrever o estado dos direitos humanos no Brasil.

Logo no início do capítulo sobre o país, o relatório destaca que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu seu terceiro mandato sob uma tentativa de golpe de Estado, que culminou na condenação de 30 pessoas até dezembro de 2023. Até março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou 130 pessoas por envolvimento nesses atos, responsabilizadas por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e deterioração de patrimônio tombado.

Outras violações de direitos humanos

A Anistia Internacional expõe ainda a impunidade em casos como o Massacre de Curió, no Ceará, em 2015, e o caso da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Os supostos mandantes só foram presos no mês passado, seis anos após o crime. O material destaca que pelo menos três ativistas de direitos humanos foram mortos por mês, no Brasil, entre 2020 e 2023. O dado foi levantado pela ONG Justiça Global.

A transfobia também fez ao menos 3.873 vítimas entre janeiro e outubro do ano passado. O número é maior do que os 3.309 casos de violações registrado pela Ouvidoria em todo o ano de 2022. A criminalização do aborto matou 19 mulheres que morreram em circustância de procedimentos não seguros.

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Redação: Clara Assunção com informações da Agência Brasil e g1