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Doações eleitorais do mercado imobiliário a vereadores de SP chegam a R$ 22 milhões

Quase todos os parlamentares eleitos em 2012 receberam dinheiro de empresas; debate acalorado do Plano Diretor reafirma importância da reforma política para evitar conflito de interesses

RenattodSousa/CMSP

Vereadores debatem o projeto de revisão do Plano Diretor que deve ser votado ainda hoje (27) na Câmara

São Paulo – Durante os debates pela aprovação do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo na Câmara Municipal, o vereador José Police Neto (PSD) assumiu posição de destaque: considerado um dos parlamentares mais experientes em assuntos relacionados ao setor imobiliário, o parlamentar tornou-se referência do grupo de descontentes da base aliada que buscam impedir a votação do projeto atual, cuja redação foi dada pelo relator Nabil Bonduki (PT) e é endossada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) e pelo Movimento dos trabalhadores Sem Teto (MTST), organização civil mais atuante na discussão do projeto. E foi no discurso do movimento que Police ganhou a alcunha de vereador “patrocinado” pelas empresas do ramo para defender os interesses econômicos envolvidos no zoneamento da cidade, por ter recebido doações de R$ 498 mil de construtoras e imobiliárias na campanha de 2012.

O caso de Police, no entanto, não é exceção; e ele sequer foi o maior receptor de dinheiro das empresas do setor naquela eleição. Em 2012, o mercado imobiliário investiu pelo menos R$ 22,6 milhões apenas para o cargo vereador na capital paulista. O valor é a soma das doações diretas ou para os comitês de campanha de 53 dos 55 vereadores eleitos, e envolvem praticamente todos os partidos. Pela ordem, DEM, PT, PSD, PSDB e PRB lideram com folga a lista dos preferidos de empreiteiras, construtoras, incorporadoras e administradoras de negócios do setor. Estão fora da lista apenas o Partido Humanista da Solidariedade (PHS), cujo representante é o vereador Laércio Benko, e o Psol, legenda do vereador Toninho Vespoli. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reunidos pela organização não-governamental Repórter Brasil.

As doações diretas para candidatos somam R$ 7 milhões. O valor total é ainda maior, já que não foram considerados para essa conta os candidatos ao parlamento que não foram eleitos. As remessas enviadas aos comitês financeiros dos partidos somam mais R$ 15,2 milhões. Alguns partidos não possuem tais comitês e outros mesclam estes com os dos candidatos a prefeito, como foi o caso do PT.

Essas doações não são ilegais. Mas na opinião do advogado e dirigente da Consulta Popular Ricardo Gebrim, um dos coordenadores do Plebiscito Popular pela Reforma Política, interferem na condução de processos importantes para o conjunto da cidade, como a votação do PDE.

“A revisão do Plano Diretor afeta muitos interesses. Inclusive destas empreiteiras que financiam campanhas eleitorais. E se o fazem, esperam, logicamente, alguma interferência no processo. As doações sempre implicam compromisso político”, avalia Gebrim. Para ele, a prática configura uma afronta à cidadania. “As campanhas chegaram a custos absurdos. Na prática, isso impede o direito do cidadão comum de participar ativamente. E até mesmo de partidos ou candidatos que não queiram manter esse tipo de relação, pois não conseguem sustentar-se”, pondera.

A situação cria contradições. O projeto promovido pelo PT, que também recebeu doações das empresas do ramo imobiliário, é amplamente apoiado pelos movimentos sociais. Mas, se não fosse assim, o investimento das empresas nas campanhas políticas sempre seria capaz de lançar dúvidas sobre o “patrocinador” de medidas legais que envolvem poderes econômicos centrais no debate. Para Gebrim, a situação reforça o entendimento de que é urgente uma reforma política que institua o financiamento público de campanhas eleitorais. “Sem isso, continuaremos a ver o poder econômico se colocar como protagonista nas campanhas eleitorais”, acredita.

Entre as principais doadoras se destacam as empreiteiras Andrade Gutierrez, Carioca Christian Nielsen, Engeform, Kallas, OAS, Odebrecht, Queiróz Galvão e WTorre. Com exceção da última, as demais atuam em programas municipais como Operações Urbanas, proteção e recuperação de mananciais e urbanização de favelas. A Andrade Gutierrez doou R$ 76,1 milhões na última eleição. A Queiróz Galvão, R$ 52,2 milhões. Outros R$ 36,6 milhões foram repassados pela OAS, além de R$ 800 mil em doações diretas para candidatos. Somadas, as oito principais empreiteiras em São Paulo doaram R$ 209 milhões.

doadores

O partido campeão de doações é o DEM, com R$ 7,5 milhões. A legenda tem dois vereadores eleitos: Milton Leite, que também recebeu doações diretas de R$ 66 mil de empreiteiras, e Sandra Tadeu, que não recebeu doações diretas. Porém, ao receber o repasse da verba partidária, o dinheiro do mercado imobiliário tende a seguir para ambos os candidatos. Assim como seu poder de influência.

A situação se repete nos outros partidos. O PT, segunda maior arrecadação com o mercado imobiliário, recebeu R$ 4,6 milhões para o comitê e outros R$ 2 milhões diretos para os candidatos. Os petistas Paulo Fiorilo e Jair Tatto receberam as maiores doações: R$ 470 mil e R$ 400 mil, respectivamente. O presidente da Câmara, vereador José Américo (PT), outros R$ 200 mil.

Porém, o fundo de campanha era o mesmo para vereadores e para Haddad, o que não ocorreu nos demais partidos que tinham comitês financeiros separados.

doações

Já o PSD de Police Neto tem a terceira maior arrecadação das campanhas para vereador: R$ 2,3 milhões, doados diretamente aos oito vereadores eleitos. Edir Sales e Marco Aurélio Cunha se destacam no grupo pelos valores recebidos: R$ 450 mil e R$ 430 mil, respectivamente.

O PPS, do vereador Ricardo Young, foi o que obteve menos verbas de empreiteiras: R$ 40 mil, seguido pelo PMDB, com R$ 66 mil, cujos destinatários foram os vereadores Rubens Calvo (R$ 42 mil) e Nelo Rodolfo (R$ 24 mil). Aí, no entanto, há uma “armadilha”. Uma quantidade grande de dinheiro é repassada às campanhas pelos diretórios municipais, estaduais ou nacionais, que receberam, antes, doações de empresas. Mas essas não são registradas claramente no TSE. Somados, os 15 partidos que conseguiram cadeiras na Câmara Municipal de São Paulo em 2012 receberam R$ 128 milhões, por meio de seus diretórios estaduais, e outros R$ 326 milhões nos diretórios nacionais, em doações ligadas ao mercado imobiliário.

E aqui não foram consideradas as doações provenientes de bancos, agronegócio, montadoras de veículos e outros setores, o que levaria a discussão a um nível ainda mais complexo de interferência sobre as decisões de parlamentos e governos. “Essas doações também vão chegar nas campanhas municipais, mas sem a mesma visibilidade das feitas diretamente. É impossível conceber exatamente o tamanho da influência do poder econômico nas campanhas”, conclui Gebrim.

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