Devida Diligência

Organizações denunciam Bayer à OCDE por sistemática violação dos direitos humanos

Entidades da Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia e Alemanha responsabilizam a empresa por desrespeitar os direitos humanos à saúde, à alimentação, à água, ao meio ambiente equilibrado, à habitação, à terra e/ou ao território e também aos direitos dos povos indígenas e das comunidades camponesas

Sebastian Rittau/Wikimedia Commons
Sebastian Rittau/Wikimedia Commons
A empresa alemã atua em diversos setores. No Brasil, onde 95% da soja cultivada é transgênica, lidera o mercado

São Paulo – Organizações sociais da Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia e Alemanha formalizaram nesta quinta-feira (25) denúncia perante a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra a Bayer. O ato ocorre às vésperas da assembleia de acionistas da empresa agroquímica alemã, que atua em diversos setores econômicos, inclusive de sementes transgênicas e agrotóxicos.  

No documento protocolado no escritório da OCDE na Alemanha, as organizações responsabilizam a empresa por sistemáticas violações dos direitos humanos à saúde, à alimentação, à água, ao meio ambiente equilibrado, à habitação, à terra e/ou ao território e também aos direitos dos povos indígenas e das comunidades camponesas. Isso devido ao fato de a empresa desenvolver sementes geneticamente modificadas e agroquímicos diversos. A ação tem respaldo científico em extensas pesquisas e numerosas entrevistas com comunidades afetadas em várias regiões de todos esses países. 

As organizações destacam que a Bayer tem violado inclusive as diretrizes da OCDE para empresas multinacionais que atuam nos países da organização. Na América do Sul, a empresa aplica um modelo agrícola causador da insegurança alimentar, escassez hídrica, desmatamento extremo, perda de biodiversidade e graves consequências para a saúde, além de conflitos por terras envolvendo comunidades indígenas e camponesas. 

A denúncia perante a OCDE documenta quatro casos específicos que mostram os impactos negativos desse modelo agrícola em áreas onde a Bayer AG comercializa amplamente os seus produtos. Como signatários da denúncia, o Centro de Estudios Legales y Sociales (Argentina), Terra de Direitos (Brasil), BASE-IS (Paraguai), Fundación TIERRA (Bolívia), Misereor e ECCHR exigem que a Bayer AG promova mudanças sustentáveis em suas práticas empresariais para respeitar os direitos das comunidades locais e do meio ambiente.  

“Essa denúncia tem um diferencial que é o caráter regional. Estamos apontando que não se trata de questões isoladas, ao contrário: decorrem do modelo do agronegócio na região, em que empresas estrangeiras lucram com o elevado uso de agrotóxicos, a despeito dos prejuízos causados à saúde e ao meio ambiente. Há, ao mesmo tempo, uma dupla moral, em que estas empresas, como Bayer, falam publicamente que respeitam padrões de direitos humanos e respeito ao meio ambiente, mas na prática isso não ocorre.  Assim, exigimos que mudem suas práticas e, também, apontamos a necessidade de avançar em normativas para responsabilizar empresas transnacionais por suas violações, sobretudo ao longo de toda cadeia produtiva. Isto é necessário sobretudo ao considerarmos o altíssimo uso de agrotóxicos pelos países da América Latina pelo agronegócio”, disse a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro.

Devida diligência para a Bayer

“A empresa não respondeu adequadamente aos graves riscos aos direitos humanos e ao meio ambiente diretamente relacionados ao seu modelo de negócios na região. Os impactos do uso de sementes geneticamente modificadas e pesticidas não foram monitorados, nem foram tomadas medidas adequadas para preveni-los e mitigá-los”, disse Sarah Schneider, especialista em agricultura e nutrição mundial da Misereor. Em média, mais de 50% das terras aráveis nestes países são destinadas à soja geneticamente modificada. A Bayer afirma ser líder latino-americana na comercialização de soja resistente ao glifosato e dos agrotóxicos à base dessa substância. 

“Na denúncia mostramos que, devido ao avanço do cultivo da soja, em nossa região as pessoas sofrem intoxicações e doenças graves. Há fontes locais de água tão contaminadas que não podem mais ser consumidas. As comunidades indígenas e camponesas são desapropriadas de seus territórios, afetando seus modos de vida e alimentação. Desaparecem milhares de hectares de floresta, ameaçando animais e plantas locais”, disse o diretor da BASE-IS, Abel Areco. 

Como plataforma de visibilidade internacional que pode ajudar a alcançar a responsabilização de empresas transnacionais, a OCDE estabelece, em suas diretrizes, recomendações sobre como as empresas multinacionais devem agir em questões como direitos humanos e meio ambiente.

“As diretrizes da OCDE são claras ao estabelecer deveres de devida diligência para a cadeia de valor a jusante, especialmente nos casos em que pode ser prevista a utilização indevida de um produto. Embora a lei alemã da cadeia de abastecimento na sua versão atual não inclua esta parte da cadeia de valor, a Bayer deve cumprir as diretrizes da OCDE. Pedimos que para a soja transgênica e os pesticidas à base de glifosato, a Bayer desenvolva políticas de devida diligência baseadas no risco e que considerem o contexto da América Latina para contribuir para uma solução de longo prazo”, disse Silvia Rojas Castro, assessora jurídica do ECCHR. 

Após a denúncia ter sido protocolada nesta quinta-feira (25), a OCDE tem agora três meses para decidir sobre a admissibilidade da denúncia. E então decidir se apoia a mediação entre as partes afetadas e a empresa. As organizações esperam que a Bayer responda à denúncia e participe ativamente na resolução dos problemas. 

Poluição do povo indígena Avá-Guarani 

No Brasil, onde 95% da soja cultivada é geneticamente modificada, a Bayer lidera esse mercado. As sementes Intacta foram utilizadas em 80% das plantações. Juntas, a Bayer-Monsanto representa 9 das 18 variedades de sementes transgênicas autorizadas para cultivo comercial, segundo dados de 2022 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). De 2010 a 2021, o uso de agrotóxicos no Brasil dobrou. São vendidos no país pelo menos 50 rótulos diferentes de agrotóxicos proibidos na União Europeia. O glifosato é o ingrediente ativo mais vendido. Só em 2022, foram comercializadas 230.519 toneladas, sendo 31.270 toneladas no Paraná. 

O estado é o segundo produtor de soja do Brasil. Nos municípios de Guaíra e Terra Roxa o uso de agrotóxicos é predominante: 509 dos 661 estabelecimentos agropecuários de Guaíra e 921 dos 1.209 estabelecimentos agropecuários de Terra Roxa relataram uso de agrotóxicos. Nestes dois municípios, onde predominam o plantio de soja e milho, estão localizadas três aldeias indígenas Avá-Guaraní. A relação entre indígenas e agricultores é tensa. 

O uso intensivo de agrotóxicos contaminou rios, alimentos, animais e as populações. Esses produtos são usados até como arma química para confinar os povos indígenas a uma faixa de terra cada vez menor. Dependentes de rios e nascentes, as aldeias relatam doenças frequentes, como vômitos, dores de cabeça, abortos espontâneos, dificuldade para respirar, entre outras. Principalmente entre idosos e crianças.

Relatam também o desaparecimento de pássaros silvestres, abelhas, borboletas, animais de caça e diminuição do número de peixes nos rios, além da perda da capacidade de produção de alimentos devido às águas e rios contaminados. A soberania alimentar dessas pessoas já foi impactada. Há áreas fumigadas com agrotóxicos próximas às casas ou estradas indígenas. Em testes laboratoriais, foi verificada a presença do glifosato e de seu principal metabólito, o ácido aminometilfosfônico (AMPA), em mananciais das aldeias Y’Hovy, Pohã Renda e Ocoy. 

“Os povos indígenas têm sido um dos povos tradicionais que mais sofrem com a contaminação sistemática da terra, alimentos, animais, pessoas e território pelo uso intenso dos agrotóxicos. Para estes povos ancestrais há ainda, de modo mais agravante, o uso de agrotóxicos pelo agronegócio como arma química  para expulsão de indígenas de seus territórios”, enfatiza Daisy.

Saiba mais sobre o modelo de negócios de soja da Bayer aqui.
*documento em alemão. 

A denúncia perante a OCDE pode ser consultada aqui.

Da Terra de Direitos