Prefeitura de São Paulo não aproveitou Plano Diretor para consolidar banco de terras públicas

Lei de planejamento separou terrenos a serem comprados pelo poder público, mas governo municipal perdeu a oportunidade de comprá-los quando os preços estavam baixos: áreas são necessárias para realização de políticas sociais

O direito de preempção dá preferência à prefeitura na compra de terrenos vazios na cidade. Espaço é disputado com mercado imobiliário (Foto: Sputnik57/Flickr)

São Paulo – Onde deveria haver um parque, em Perdizes, há um muro altíssimo decorado com cerca elétrica e, dentro, um condomínio de luxo. Outra ideia de parque foi abortada em favor de duas torres residenciais em Pirituba. No Mandaqui, o terreno que traria um pouco de verde para a vizinhança continua baldio, mas uma placa anuncia um ‘breve lançamento’ imobiliário. Um pouco mais adiante, no Tremembé, o futuro piscinão para combater as enchentes continua sendo um córrego com águas negras e lixo a perder de vista.

Os lugares que eram pra ser e nunca foram estão discriminados no quadro número 1 do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pela prefeita Marta Suplicy (PT) em 2002. São áreas que estavam sujeitas à incidência do direito de preempção – termo complicado, mas com significado simples. Preempção significa precedência na compra. A lei que instituiu o PDE, portanto, deu à prefeitura o direito de adquirir alguns terrenos ociosos da cidade antes que qualquer particular.

“A preempção é um dos instrumentos jurídicos que mais dá condições ao governo de montar um banco de terras públicas”, analisa o urbanista Kazuo Nakano, diretor do Instituto Pólis. Com a preempção, diz, a prefeitura pode acessar os terrenos com mais facilidade e, assim, garantir espaço na cidade para construir escolas, conjuntos habitacionais, museus, hospitais e uma longa lista de etcéteras que faltam nos bairros paulistanos. “Mas isso não aconteceu, e agora temos um problema.”

Nakano explica que, atualmente, uma das maiores dificuldades enfrentadas pela prefeitura na hora de executar as políticas públicas – aumentar o número de leitos em hospitais, vagas em creche ou áreas verdes – é comprar os terrenos. “Nos últimos dez anos o preço das terras subiu muito. Por outro lado, as desapropriações são muito dificultosas”, lembra. “Se o governo tivesse feito um banco de terras antes do bum imobiliário, quando os terrenos estavam baratos, certamente estaríamos em melhores condições para utilizar os recursos públicos.”

O alto custo da terra urbana em São Paulo tem dificultado inclusive a realização do programa Minha Casa Minha Vida, promovido pelo governo federal, que oferece subsídios financeiros para as famílias de baixa renda concretizarem o sonho da casa própria. “Agora tem muito dinheiro para a construção de conjuntos habitacionais, e a prefeitura não consegue terra pra isso”, compara Nakano.

A mesma avaliação é feita por Cláudio Bernardes, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi). “Fazer empreendimentos para pessoas com até 6 salários mínimos na cidade de São Paulo é difícil por causa do custo do terreno”, atesta. “O Minha Casa Minha Vida tem dificuldade aqui por causa disso.”

A Rede Brasil Atual visitou oito dos 22 terrenos que o plano diretor demarcou como alvos preferenciais do direito de preempção ainda em 2002. Dez anos depois, apenas dois tiveram a destinação determinada pela lei: foram transformados em parque. Um deles é o Parque Mário Covas, na Avenida Paulista; outro, o Parque do Povo, na Avenida Cidade Jardim. São duas das áreas mais valorizadas da capital. Os demais, localizados em zonas periféricas, continuam baldios ou se transformaram em condomínios de alto padrão ou classe média.

“Não dá pra fazer política pública em São Paulo sem um banco de terras, senão quem acaba dando as cartas é o setor imobiliário, que ainda está aquecido e quer expandir as possibilidades de construção, sobretudo na periferia, para onde está indo”, pontua Kazuo Nakano, prevendo novos desafios durante a revisão do PDE, no ano que vem. “As incorporadoras também têm interesse em acessar os terrenos a preços vantajosos. É uma disputa, e o poder público deve entrar nessa disputa pela terra urbana para produzir seus equipamentos.”

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