Plano Diretor

Novo Plano Diretor de SP tem risco de manter cidade subordinada a construtoras

Pré-projeto divide opiniões entre os que avaliam que a proposta atende às reivindicações da sociedade e os que veem o novo texto com preocupação

Arquivo/Folhapress

Especialistas temem que o desenvolvimento da capital paulista continue refém do mercado imobiliário

São Paulo – O diretor do Movimento Defenda São Paulo, Sérgio Reze, avalia que a minuta do novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo, divulgada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) na última segunda feira (19), vai permitir que o mercado imobiliário continue definindo o desenvolvimento da cidade. Para Reze, ao propor o adensamento habitacional das regiões próximas a corredores de ônibus e estações ferroviárias, e flexibilizar as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), permitindo que uma construtora interessada em determinada área possa mudar a Zeis de lugar em troca de outro terreno, é “dar um cheque um branco para a construção civil”.

“Esperávamos que houvesse um controle maior do setor imobiliário, que era o discurso ao longo da campanha, mas no novo plano isso não aparece”, afirma Reze. Para ele, a liberação da construção de até quatro vezes a área do terreno, por 200 metros de cada lado dos corredores e 400 metros no entorno das estações, é perigosa para a cidade. “O texto abre a possibilidade de construir à vontade. Não pode ser assim. Não foi apresentado nenhum estudo geotécnico e de impacto para saber se essas regiões suportam este adensamento. Permitindo isso no plano macro depois é muito difícil controlar”, avalia.

A minuta do novo plano foi apresentada na última segunda-feira e propôs o adensamento habitacional das áreas próximas aos corredores e estações, a limitação desse mesmo adensamento em outras regiões da cidade, investimentos e isenção fiscal para empresas que se instalem na zona leste da cidade, a limitação do número de garagens em empreendimentos próximos a eixos de mobilidade, a ampliação em 20% e a possibilidade de alterar a localização das Zeis e a necessidade de grandes empreendimentos concederem terrenos para a construção de moradias de interesse social, como contrapartida social.

Além disso, o diretor considera que as audiências públicas propostas para ouvir a população sobre a minuta do plano são poucas e estão mal distribuídas. “O plano de 2002 foi muito modificado. Realizar duas audiências, no meio da semana, tendo 84 páginas de conteúdo técnico a serem decifradas e avaliadas, não é participação social. Se não se traduzir para as pessoas o que está sendo colocado como proposta definitiva, para que elas tenham condições de opinar e propor, não vamos ter participação social de fato”, pondera.

Nos dias 2 e 5 de setembro, uma segunda e uma quinta-feira, a prefeitura vai realizar audiências públicas sobre o texto da minuta, antes de encaminhar o projeto à Câmara Municipal. Os eventos vão começar às 17h30, no campus da Barra Funda da Universidade Nove de Julho (Uninove). Depois disso, a própria Câmara vai realizar outras audiências públicas.

Em relação às Zeis, Reze considera “estranha” a possibilidade de as construtoras poderem pedir para mudar a área, em um momento em que os movimentos cobram a efetivação e a ampliação das áreas definidas desde 2002. “Tudo pelo que a sociedade tem lutado nesses anos é a subordinação do mercado imobiliário aos interesses coletivos. Esse tipo de regramento diz o seguinte: o mercado desenha a cidade. E a gente sabe que esta não é uma cidade saudável”, contesta.

Sobre isso, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, prevê que a situação dessas áreas pode se tornar ainda mais precária. “Uma coisa é ter uma área de Zeis próximo à avenida Francisco Morato, no distrito do Campo Limpo, e outra é termos uma no Jardim Maria Sampaio, quase na divisa com Taboão da Serra, na mesma região, onde a infra estrutura é bem pior”, explica.

Para Boulos, essa possibilidade é vantajosa ao mercado e já tem ocorrido no programa Minha Casa, Minha Vida. “Como a Caixa paga o mesmo valor em qualquer terreno, as construtoras escolhem o mais bem localizados para empreendimentos rentáveis e jogam os para a população com renda de zero a três salários mínimos para regiões distantes”, afirma. Para Boulos, é urgente a necessidade de uma regulamentação federal sobre o Estatuto das Cidades, que obrigue o cumprimento dos planos diretores municipais, evitando que os gestores públicos ignorem suas diretrizes, como ocorreu em São Paulo nos últimos oito anos, nas administrações José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM).

Essa necessidade de garantir o cumprimento do plano foi uma cobrança recorrente dos movimentos sociais nas audiências de revisão do Plano Diretor. A Conferência Nacional das Cidades, que será realizada em Brasília no mês de outubro, pretende estabelecer um Sistema Nacional de Reforma Urbana que vincule os repasses de verba federal aos municípios ao cumprimento de metas relacionadas aos planos diretores.

Porém, a opinião não é unânime entre os diferentes movimentos e entidades que acompanham a revisão do plano na capital paulista. Para o coordenador da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, a proposta responde aos anseios da população que compareceu às atividades de revisão do plano. “É bastante coerente com aquilo que foi apresentado nas discussões, com as propostas de campanha do prefeito e com a reivindicação antiga da sociedade de se levar emprego e renda para mais perto das moradias”, avalia.

Broinizi compartilha a preocupação com as Zeis e com a efetividade das ações propostas. E não vê novidade na posição do mercado imobiliário, de que as empresas não pagarão a conta das mudanças idealizadas no novo plano. “O importante é garantir a mistura de Zeis com as áreas de melhor infraestrutura e maior número de emprego, garantindo a efetividade dos planos habitacionais nestes locais”. “No geral, o discurso e o desenho do plano vão no sentido de melhorar a vida das pessoas”, completou.

Já os cicloativistas se demonstraram satisfeitos com a contemplação da bicicleta como parte dos eixos estruturantes de mobilidade na cidade. O diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), Thiago Benicchio, descreveu a minuta como “bastante positiva”. “O sistema cicloviário estava excluído do plano diretor de 2002. Agora ele está contemplado como parte da estrutura de mobilidade da cidade e com a diretriz de que ele seja interligado ao sistema de transporte coletivo e outros modais”, aponta. Para ele, o próximo passo é garantir a efetivação do Plano Municipal de Mobilidade Urbana, também abandonado pelas gestões anteriores.

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