Muitos nós a desatar

União Brasil e PP ensaiam federação que deixará Lula com pouca margem para negociar na Câmara

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) afirma que “o governo não tem uma base consistente nem na Câmara, nem no Senado”. Ministro diz ter “esclarecido” denúncias e segue no governo

José Cruz/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil
Lula quer entendimento entre Câmara e Senado para o governo não parar

São Paulo – Caminham a passos largos as negociações entre o União Brasil (UB), do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (MA), e o PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para a formação de uma federação. Se concretizada, essa federação com as duas forças de direita no parlamento será ironicamente chamada União Progressista. Assim, teria uma enorme bancada de 108 deputados, o que representa 21% da Câmara.

Além disso, o PL, partido de Bolsonaro, tem sozinho 99 deputados. Se essas três entidades se unirem para qualquer votação, teriam 207 parlamentares. Ou seja, se hipoteticamente votarem todos juntos, o governo não aprova nenhuma PEC. E não precisa sequer contar os 42 votos do Republicanos.

A crise envolvendo o ministro das Comunicações no governo envolve um complexo cálculo político nesse contexto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sabe disso. Pensando na chamada governabilidade e em formar maioria na votação de reformas, ele decidiu dar ao União Brasil três ministérios. Além das Comunicações de Juscelino, o do Turismo foi para a deputada federal reeleita Daniela do Waguinho (UB-RJ) e o da Integração Nacional para Waldez Góes. O ex-governador do Amapá é do do PDT, mas foi não foi indicado por seu partido. Entrou na cota do UB por indicação do senador David Alcolumbre (UP-AP).

Juscelino Filho indicou sócio de grupo ligado a Flávio Bolsonaro para diretoria do ministério

Mas Lula também sabe que a política não é uma ciência exata. Apesar de ter 59 deputados, o União Brasil não promete integrar a base ao governo. Foi isso que avisou o presidente da legenda, Luciano Bivar, quando declarou que seus deputados deverão votar com o Planalto somente quando for “de interesse do Brasil”.

Nesta segunda-feira (6), após reunião com Lula, Juscelino Filho postou em rede social ter dito ao presidente que as acusações de que tem sido alvo nos últimos dias são “infundadas”. “Detalhei alguns dos vários projetos e ações do @mincomunicacoes. Temos muito trabalho pela frente!”, escreveu o ministro.

Equação com União Brasil não fecha

O UB é a fusão do PSL, que elegeu Bolsonaro e suas bancadas em 2018, com o DEM, que no passado foi o PFL, que por sua vez, em passado um pouco mais distante, surgiu do PDS da ditadura. O que por si só explica por que as contas políticas governistas relativas ao União Brasil, com seus três ministros importantes, não fecham.

O lado do PP da federação, além de Lira, tem outro cacique: o ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, senador Ciro Nogueira (PP-PI). Os dois são os principais líderes do Centrão na atualidade. Ciro Nogueira postou em seu perfil no Twitter na tarde desta segunda-feira (6): “Governo tem de ter maioria. Não existe governo de minoria. Se o governo não tem maioria, a conclusão é: não há governo”.

A consolidação da união entre PP e UB em uma federação deixaria o governo de Lula com pouca margem para negociar. Por exemplo, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) requer, para aprovação, 308 votos (3/5) da Câmara.

Lira: ‘Governo ainda não tem base’

Em um de seus discursos após tomar posse, Lula disse a aliados que o governo depende mais do Congresso do que o contrário. Sabendo do seu hoje indiscutível controle da Câmara, Lira afirmou nesta segunda-feira (6) que há “uma vontade conjunta, do governo eleito e do Congresso”, em dialogar para votar a reforma tributária.

Segundo ele, em evento na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), “o governo ainda não tem uma base consistente, nem na Câmara, nem no Senado, para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”.

Lira tocou no tema reforma tributária porque sabe que, para o governo e para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é fundamental a aprovação de um texto que seja palatável ao mercado para diminuir resistências. Esse texto depende de uma PEC. Num segundo momento, como já explicou o próprio Haddad, a ideia é aprovar uma proposta para mexer na renda, o que precisaria de um projeto de lei, que é aprovado por maioria simples.