Insegurança pública

Caso Lázaro: operação ‘foi um fracasso em todos os sentidos’, avalia tenente-coronel

Ao contrário do que alegam autoridades envolvidas no caso, a morte do criminoso não trará segurança à população local, adverte Adilson Souza. Lázaro é suspeito de cometer crimes a mando de uma rede. Sem aprofundamento das investigações, atos podem continuar ocorrendo

SSP-GO/Reprodução
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"Se morte fosse um sinônimo de segurança, o Brasil seria melhor que a Noruega", ironiza Adilson Paes de Souza. Parte da imprensa e o Ministério Público também são responsáveis pelo "punitivismo" brasileiro

São Paulo – Para o tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, Adilson Paes de Souza, a busca por Lázaro Barbosa, de 32 anos, que terminou com sua morte nesta segunda-feira (28), “foi um fracasso em todos os sentidos”. Após 20 dias de operação, que mobilizou uma força tarefa com mais de 270 agentes, ao custo de R$ 19 milhões, os policiais não conseguiram prender com vida o suspeito de uma série de crimes. O que deve, no mínimo, dificultar as investigações e trazer ainda maior insegurança à população local, na avaliação de Souza. 

A Polícia Civil de Goiás já confirmou ter indícios de que Lázaro não agia sozinho e que ele não só havia sido acobertado, como teria praticado alguns dos atos criminosos a mando. A suspeita, inclusive, é a de que ele estaria envolvido com uma organização criminosa na região. Sem o testemunho de Lázaro, agora caberá à corporação elucidar as suspeitas de crimes por encomenda e disputa de terras. Autoridades envolvidas no caso tentaram justificar que sua morte traria segurança à região, mas, sem essas respostas, a execução de Lázaro, ao contrário, não impedirá que ações criminosas continuem ocorrendo.

“Se morte fosse um sinônimo de segurança, o Brasil seria melhor que a Noruega”, pontua o tenente-coronel aposentado, também mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP e doutor em Psicologia pela mesma instituição. “Faço essa comparação porque, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a Noruega é a primeira colocada no IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano. É o melhor lugar para se viver. Então, se matar resolvesse a questão, Brasil seria melhor que a Noruega”, explica. 

Morte atrapalha investigações

Policiais envolvidos na ocorrência relataram ter disparado 125 vezes contra Lázaro Barbosa. Segundo o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, ele teria resistido à prisão e por isso acabou sendo alvo. Pelo menos 38 disparos o acertaram. Nenhum agente saiu ferido.

A força tarefa policial tinha informações desde o domingo (27) que Lázaro estava embrenhado na mata de Águas Lindas de Goiás, onde passou a madrugada para segunda escondido. Pela manhã, as equipes conseguiram se aproximar e o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, afirmou que Lázaro tinha em mãos duas pistolas contra o armamento dos agentes.

Miranda alegou que foi dada a oportunidade de Lázaro se entregar, “mas não quis”. Com o suspeito, ainda foram encontrados R$ 4,4 mil. O que reforça, segundo a polícia, os indícios de que Lázaro atuava sob a proteção de comparsas. Para Souza, o que houve foi uma execução policial. O tenente-coronel reforça que havia condições da polícia prendê-lo para garantir as investigações do caso.

Pelo que está consolidado, Souza analisa que as buscas pelo foragido se tornaram, na verdade, “uma caçada” por incentivo também da própria cobertura jornalística de parte da imprensa tradicional e dos noticiários “policialescos”. De imediato, afirma ele, “há uma grande chance de vermos um aumento da letalidade policial após esse fato”. Isso porque “os policiais vão se sentir legitimados, amparados e protegidos para agir assim”. 

Falência da segurança pública

O tenente-coronel ressalta que não se trata de inocentar Lázaro, “que causou pânico, mal para a sociedade, não merecia viver em convívio e deveria estar preso”, mas de uma defesa pelos direitos democráticos da própria sociedade.

“Ontem vi que órgãos de imprensa tradicional comprarem a narrativa do governo de ‘caçada’, troca de tiros, confronto. Caçada e confronto foram as duas palavras que mais ouvi. E ignoram os fatos, em que se tem 270 policiais, não eram apenas dois ou três envolvidos no fato. A versão é que o rapaz estava em uma moita, cercado, e foi morto com mais de 38 tiros, muito deles na altura do coração, formando um círculo. O que passa muito bem uma mensagem, tem algo aí reverberando. O observador mais incauto possível vai perceber que tem algo errado”, alerta. 

Adilson de Souza conclui que “a partir do momento em que o Estado faz as regras e não as cumpre, todos nós estamos vulneráveis e em insegurança”. “Temos aí um Ministério Público militarizado, na pior acepção do termo, que abraça essa política de eliminação do inimigo da sociedade, da eliminação de pessoas como medida eficaz de segurança pública. E isso é um equívoco porque corrói cada vez mais as bases do Estado. Cada vez mais nós percebemos que não vivemos em um Estado democrático de direito, que as nossas garantias fundamentais estão sendo minadas todos os dias. E isso não põe ninguém, mesmo esses policiais e as pessoas que o apoiam, em segurança de vida e institucional. Estamos todos sob perigo.”

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção