Relatório

Pescadores artesanais estão envolvidos em 434 conflitos socioambientais

Levantamento do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) indica disputas envolvendo desmatamento, especulação imobiliária e pesca predatória em 14 estados

Reprodução/TVT
Reprodução/TVT
O tipo de conflito mais comum é aquele em que o pescador artesanal fica sem acesso aos locais de pesca

São Paulo – Relatório divulgado nesta terça-feira (29) pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) revela que em 2018 e 2019 os pescadores artesanais travaram 434 conflitos socioambientais em 14 estados brasileiros. A maioria deles com grandes empresas privadas.

O conflito mais denunciado ao conselho vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi a restrição de acesso de pescadores em praias, rios, lagos. Ou seja, aquele caracterizado pelo impedimento aos pescadores de exercerem sua profissão corresponde a 11,75% dos conflitos.

Mas foram relatadas ainda outras 19 categorias de conflito. Entre eles, os causados por desmatamento, especulação imobiliária e pesca predatória. Bahia é o estado em que houve o maior registro de conflitos, seguido por Minas Gerais e Pernambuco.

Causadores dos conflitos

O relatório também aponta os principais agentes causadores desses conflitos. As empresas privadas lideram o ranking, sendo responsáveis por 24% dos conflitos relatados, seguidas por agentes privados, que aparecem em 21% dos casos. Os dados indicam ainda a duração dos conflitos e apontam também as estratégias que têm sido utilizadas pelas comunidades no enfrentamento. Em 66% dos casos, os conflitos já têm mais de 10 anos.

Vítimas dos maiores crimes ambientais ocorridos no Brasil nos últimos seis anos – do rompimento da Barragem de Mariana (MG) em 2015 ao derramamento do petróleo no litoral do Nordeste e de parte do Sudeste do Brasil, em 2019 –, os pescadores e pescadoras artesanais e os impactos dessas tragédias nas suas vidas continuam, no entanto, invisíveis. A ocultação desses impactos se dá nas recentes grandes tragédias ambientais, mas ocorre principalmente no processo cotidiano que coloca a manutenção do modo de vida dessas comunidades em risco.

“Os conflitos contra o nosso povo da pesca artesanal vêm de muito tempo, mas nos últimos anos esses conflitos se intensificaram muito, pois antigamente éramos expulsos de nosso território, mas como esse território tinha uma grande extensão, a gente migrava para outra área e continuávamos sobrevivendo”, relata o pescador do município de Buritizeiros (MG), Clarindo Pereira dos Santos.

Expulsos pelos fazendeiros

A sua comunidade passou em 2017 um processo de expulsão, da qual até hoje não se recuperou. O território da comunidade ficava localizado à beira do rio São Francisco, em área da União.

“A minha comunidade tradicional pesqueira e vazanteira de Canabrava passou por um conflito muito cruel: fomos expulsos de nosso território pela polícia militar e pelos fazendeiros latifundiários, a mão armada, com seus jagunços; tiraram todas as condições do povo da minha comunidade sobreviver e destruíram tudo que nos restava”, lamenta Clarindo.

Por tudo isso, ele vê com otimismo a publicação do relatório. “Acho de grande importância esse relatório sobre esses conflitos, pois nossos territórios pesqueiros estão cada dia mais ameaçados e impactados”, disse Clarindo.

Estado e conflitos

A Secretária-executiva do CPP Nacional, Ormezita Barbosa, defendeu que a sistematização de dados se torne um instrumento dos pescadores artesanais em defesa e pela permanência no seu território. “Também queremos que essas denúncias trazidas no Relatório possam subsidiar as inúmeras incidências que os pescadores têm feito nos vários poderes”.

Para ela, o Relatório ajudará a apontar as contradições e lacunas do Estado na relação com os pescadores. A liderança acredita que apesar dos agentes privados serem os principais causadores dos conflitos, o Estado também tem responsabilidade.

“O Estado tem por um lado o papel de não garantir condições como marcos regulatórios, instrumentos jurídicos mais consolidados que reconheça e garanta a permanência dessas comunidades nesses territórios, de forma a reconhecer inclusive esse conceito de Território Pesqueiro. Além disso, o Estado também atua para desmantelar as frágeis medidas que de alguma forma podem reforçar esse pertencimento e essa permanência da comunidade”, criticou.