"Retrocesso sem precedentes"

Bolsonaro ‘desmontou’ combate à corrupção, diz Transparência Internacional

Relatório mostra que governo do ex-presidente foi um fracasso deliberado na luta contra a corrupção, usada apenas como bandeira eleitoral

Arquivo pessoal/Twitter
Arquivo pessoal/Twitter
O clã Bolsonaro. Combate à corrupção usado como estratégia para chegar ao poder e garantir blindagem contra investigações de seus próprios crimes e delitos

São Paulo – Relatório da Transparência Internacional divulgado na manhã desta terça-feira (31) afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou seu mandato para promover um “desmanche acelerado” da estrutura de prevenção e combate da corrupção no Brasil. Além de trabalhar para garantir a impunidade de familiares e aliados envolvidos em denúncias. Para a entidade, nos últimos anos o país sofreu um “retrocesso sem precedentes” nas instituições.

A avaliação faz parte do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), relatório global que mede a percepção sobre a corrupção em 180 países. O Brasil ficou em 94ª lugar no ranking mundial, considerado um desempenho ruim pelo principal índice no mundo sobre o tema. O Brasil caiu 25 posições na listagem desde 2012.

A Transparência Internacional é uma organização não-governamental que atua há mais de duas décadas em mais de 100 nações. Além do relatório anual sobre o tema, a entidade assessora governos, empresas e organizações internacionais no desenvolvimento de programas efetivos que ataquem o problema de forma sistêmica e promovam o controle social da corrupção.

Para a organização, desde o primeiro dia de governo, Bolsonaro utilizou seu mandato para se blindar e blindar a família de investigações sobre denúncias de corrupção mesmo as mais evidentes. “Acuado desde antes da posse pela corrupção fartamente comprovada da sua família, a prioridade de Bolsonaro durante todo o seu governo foi garantir sua blindagem, que buscou através da neutralização do aparato institucional e legal que o ameaçava”, disse Bruno Brandão, diretor executivo da organização no Brasil.

Com Bolsonaro, corrupção institucionalizada

Outro fator que levou ao enfraquecimento do combate à corrupção durante os anos Bolsonaro, segundo avaliação da entidade, foi usar o chamado “orçamento secreto” – emendas parlamentares cuja distribuição de recursos é definida pelo relator do Orçamento sem critérios claros nem transparência – para barrar o avanço de processos de impeachment no Congresso Nacional.

O “orçamento secreto” – classificado pela entidade “o maior esquema de institucionalização da corrupção que se tem registro no Brasil” – teve impactos diretos e graves sobre a qualidade de políticas públicas essenciais. “Maior beneficiário dos recursos secretos, o presidente da Câmara, Arthur Lira, manteve mais de 140 pedidos de impeachment paralisados e se reelegeu deputado federal, com o dobro de votos que teve na eleição anterior”, disse Bruno Brandão.

Clique aqui para baixar o relatório completo da Transparência Internacional (em PDF)

O repasse sem transparência de recursos públicos também aprofundou a corrupção nos municípios e, ainda mais grave, a distorção do processo eleitoral, resultando no fortalecimento dos partidos mais fisiológicos e lideranças mais corruptas da política brasileira. “O ‘orçamento secreto’ foi a principal moeda de compra da blindagem política de Bolsonaro no Congresso, garantida pelo Centrão”, disse a Transparência Internacional, em comunicado à imprensa.

A organização conclui ainda que a “degeneração sem precedentes” do regime democrático brasileiro, colocou o regime em risco e levou o país aos ataques golpistas nas sedes dos Poderes em Brasília, no início de janeiro.

A consequência das ações de Bolsonaro no desmonte do aparato de combate à corrupção foi a “destruição” de mecanismos, aparatos e credibilidade de instituições de controle e fiscalização do país. “Os dois processos, de desmonte do arcabouço anticorrupção e da degradação da governança democrática, estão estreitamente relacionados”, afirma o relatório Retrospectiva Brasil 2022.

O “engavetador” da corrupção de Bolsonaro

A Transparência Internacional destaca que a “peça central” do aumento da corrupção nos últimos anos no Brasil, foi a indicação por Bolsonaro de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República. A entidade afirma que Aras “não apenas desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção, mas foi também responsável por uma retração histórica nas funções de controle constitucional dos atos do governo”.

“As omissões da PGR em 2022 tiveram graves consequências para a impunidade das condutas criminosas apuradas pela CPI da Pandemia, o desmanche continuado da governança ambiental e de proteção aos direitos indígenas, o avanço desimpedido de movimentos golpistas e ataques às instituições democráticas, além de retaliações a membros do próprio Ministério Público atuantes em casos de corrupção”, diz o comunicado.

“Muito mais do que frear processos específicos, ele [Bolsonaro] neutralizou o sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira, desmontando os três pilares que o sustentam: jurídico, político e social. Com isto, sua blindagem foi muito além da delinquência passada. Ele garantiu impunidade para cometer novos e muito mais graves crimes”, completa o documento.

Fragilização das instituições

O relatório avança também na interferência do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro na atuação de outras instituições, como a Polícia Federal e a Petrobras. Por exemplo, a entidade cita a troca de presidentes da Petrobras por insatisfação com o aumento do preço dos combustíveis, motivada apenas pela queda da popularidade do então presidente.

A Transparência lista episódios em que Bolsonaro e aliados foram citados em esquemas com indícios de corrupção, alguns deles bastante escandalosos. As apurações não caminharam, segundo a entidade, devido à interferências diretas, sobretudo na Polícia Federal e na Receita Federal. Para a organização, os casos desmontaram a narrativa criada por Bolsonaro de que não havia mais corrupção no governo.

Justiça bloqueia bens de 40 pessoas que participaram do terrorismo em Brasília

Também avalia a entidade que o ex-presidente e seus apoiadores “levantaram dúvidas em relação à segurança das urnas eletrônicas, tentando reiteradamente minar um sistema que se provou confiável ao longo dos anos”. O relatório lembra ainda que, após o segundo turno, o partido do então presidente Bolsonaro entrou no Tribunal Superior Eleitoral com pedido de verificação do resultado das eleições, sem apresentar provas de fraude.

Corrupção clara

A entidade cita algumas das principais razões para a queda do Brasil no ranking mundial da corrupção no ano de 2022, último da gestão Bolsonaro:

  • o arquivamento da denúncia que apura a participação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em um esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio;
  • a utilização de servidores da Receita Federal para ajudar na defesa de Flávio Bolsonaro na denúncia de participação do esquema de rachadinhas;
  • o levantamento que aponta que ao menos 51 imóveis foram comprados pela família Bolsonaro com dinheiro vivo;
  • o suposto esquema para liberação de verbas pelo Ministério da Educação, no qual foram citados o então presidente Jair Bolsonaro e o então ministro Milton Ribeiro, e os indícios de irregularidades na compra de kits de robótica com verbas do Ministério da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação;
  • a utilização da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para obras com verbas do chamado “orçamento secreto” e de uso eleitoral;
  • uma recomendação aprovada pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso para que o Tribunal de Contas da União (TCU) deixasse de suspender obras e serviços públicos sem antes consultar o Congresso.

Ataques e mais ataques

A Transparência Internacional menciona ainda o perdão da pena concedido por Bolsonaro ao deputado aliado Daniel Silveira (PTB-RJ), que tinha sido condenado a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. E destaca que o ex-presidente manteve a “desarticulação” de políticas, mecanismos e órgãos de proteção ambiental no país.

E lembra com destaque o aumento no desmatamento em terras indígenas e de áreas de mineração ilegal, o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips e uma lista de falhas na proteção de defensores ambientais.

Recomendações

A organização finaliza o documento com uma série de 25 recomendações ao novo governo com o objetivo de retomar a agenda de transparência e integridade. “É fundamental que o novo governo demonstre, com ações concretas, que está compromissado com o resgate democrático das pautas de transparência e integridade”, defendeu a entidade.

Confira algumas das propostas:

  • Devolver a autonomia a instituições como a Polícia Federal, Receita Federal e a Controladoria Geral da República (CGU);
  • Respeitar a lista tríplice para a indicação do próximo procurador-geral da República;
  • Não fazer uso de mecanismos como o “orçamento secreto”;
  • Respeitar a Lei de Acesso à Informação, reavaliando sigilos indevidos impostos pela administração de Jair Bolsonaro;
  • Remover do cargo funcionários de alto escalão do governo que estejam sob investigação ou processados por corrupção e delitos relacionados;
  • Fortalecer estruturas de investigação de crimes ambientais;
  • Regulamentação do lobby;
  • Estabelecimento de quarentena para a candidatura eleitoral de membros do Judiciário, Ministério Público, Forças Armadas e polícias;
  • Proteção dos denunciantes;
  • Recuperação do sistema de proteção ambiental e fortalecimento do combate à corrupção ambiental.

Com Uol, Transparência Internacional e g1


Valdemar Costa Neto deve ser investigado por ‘triturar’ provas de ação golpista, diz senador
Governo Lula anuncia lançamento das bases do orçamento participativo
Em reunião com governadores, Lula defende ‘comportamento civilizado’ na política do país


Leia também


Últimas notícias