Aldear a política

Campanha lança 30 candidaturas indígenas em 20 estados, em iniciativa unificada inédita

É a primeira vez que grupos se organizam nas eleições gerais com pauta comum, contra degradação ambiental e violações de direitos. Mobilização indígena atingiu patamar recorde em 2022

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
"A Constituição não optou pela teoria da posse imemorial. Há que se ter um vínculo. Agora, esse vínculo não está obrigatoriamente no marco de 5 de outubro de 1988", defendeu Toffoli

DW Brasil – Em uma articulação sem precedentes, 30 candidaturas de movimentos indígenas em 20 estados se lançam este ano na disputa aos Legislativos federal e estaduais, tendo como base uma agenda comum de enfrentamento à degradação do meio ambiente e às violações de direitos dos povos originários. Desse total, 12 concorrem à Câmara dos Deputados e 18 tentam uma vaga nas assembleias legislativas de 15 estados. A lista de candidaturas foi publicada nesta segunda-feira (29) no site da Campanha Indígena.

A mobilização é capitaneada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Outras sete organizações regionais também participam, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Conselho do Povo Terena; Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Grande Assembleia do povo Guarani (Aty Guasu); Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul).

As candidaturas prometem “aldear a política”, combatendo os retrocessos impostos pelo atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Com relação aos nossos povos, considerados por esse governo como minorias inferiores, houve um desmonte sem precedentes das instituições e políticas específicas conquistadas por nós a partir da Constituição de 1988”, diz o manifesto conjunto das candidaturas.

Para a presidência da República, sem citar nomes, a campanha defende a escolha por uma candidatura “que tenha compromisso com as lutas e reivindicações históricas das maiorias oprimidas e excluídas”. Para o Legislativo, pregam o apoio a candidatos que “se identifiquem com a defesa da democracia, da justiça social, dos direitos humanos, do meio ambiente, da soberania nacional e dos nossos direitos fundamentais”.

Feito histórico

É a primeira vez que grupos indígenas se organizam sob uma pauta comum para disputar as eleições gerais. “Há mais de 500 anos existimos e resistimos a este Estado e agora queremos ver os parentes no centro das tomadas de decisões”, ressaltou o advogado e coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá.

Assim, a APIB aposta na ampliação da participação indígena em espaços institucionais, algo que vai além do período eleitoral e abarca a formação contínua de lideranças políticas. “Precisamos ocupar os espaços de decisão e direcionarmos as políticas públicas de acordo com o que pensamos para nosso futuro”, argumenta Tuxá. 

Esse movimento se fortaleceu em 2018 com a candidatura de Sônia Guajajara (Psol-SP) à vice-presidência na chapa liderada por Guilherme Boulos (Psol). Além disso, no último pleito, Joenia Wapichana (Rede-RR) foi a primeira mulher eleita para uma vaga na Câmara dos Deputados.

Ambas integram a campanha ao lado de nomes como Almir Suruí (PDT-RO), Célia Xakriabá (Psol-MG), Maial Kaiapó (Rede-PA) e Kerexu Yxapyry (Psol-SC), que disputam a Câmara. Já Val Eloy (Psol-MS) disputa uma vaga no Legislativo do Mato Grosso do Sul, estado conhecido pelo poder e influência do agronegócio.

Linha de frente

Pelo Twitter, Sônia saudou a iniciativa, ressaltando que as candidaturas representam 31 povos indígenas do Brasil. Desse modo, são candidatos das etnias Guarani, Xavante, Kayapó, Macuxi, Pataxó, Paeter Suruí, dentre outras.

Vanda Witoto (Rede-AM), outro exemplo, foi a primeira amazonense a receber a vacina contra a covid-19. Agora pretende ocupar uma vaga na Câmara dos Deputados. Profissional da saúde, ela também ajudar a montar uma unidade de apoio à saúde, no Parque das Tribos, bairro indígena de Manaus, durante o colapso que a cidade viveu devido à falta de oxigênio no começo do ano passado. “O mundo olha para Amazônia por satélite. Querem proteger as árvores, mas não cuidam das pessoas que protegem as árvores e os rios. A gente precisa inverter esse olhar e cuidar melhor dessas pessoas”, disse Vanda, pelo Twitter.

Cacique Toninho Guarani (PT-ES), é natural de Parati (RJ), mas vive na aldeia Boa Esperança, em Aracruz, norte do Espirito Santo. Ele apresentou seu nome à Comissão de Caciques da sua etnia para também disputar uma cadeira de deputado federal. “A nossa dignidade nunca foi dada de graça. Temos que lutar”, afirmou.

Bacharel em direito, Maial Kaiapó (Rede-AP), quer levar adiante a tradição da família de luta pelos direitos dos povos indígenas. Ela é filha de Paulinho Paiakan, um dos principais articuladores pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988. Além disso, é sobrinha-neta do cacique Raoni Metuktire, uma das mais importantes lideranças indígenas do país, reconhecido internacionalmente. “Vamos ajudá-la a lutar por nós, que estamos aqui nessa terra”, disse Raoni, em vídeo nas redes sociais.

Recorde de candidaturas indígenas

A mobilização para candidaturas indígenas atingiu recorde nessas eleições. Neste ano, são 183 candidatas e candidatos que se autodeclaram como pertencentes aos povos originários, de acordo com dados atualizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ou seja, 50 a mais do que em 2018 e 98 a mais do que em 2014, ano em que a Justiça Eleitoral passou a compilar dados sobre a composição étnica e racial de candidatas e candidatos.

O número equivale a 0,6% de um total de 28.869 candidaturas registradas até agora pelo TSE. Destas, 84 são mulheres (45,9%) – o percentual de candidaturas femininas nesse segmento é o maior dentre todas as raças.

A maioria dos indígenas concorre neste ano a uma vaga nas assembleias estaduais ou na Câmara do Distrito Federal (111), seguida pela Câmara dos Deputados (58). Outros quatro concorrem ao Senado e outros dois, a governos estaduais. Os demais disputam cargos de vice ou de suplente.

As candidaturas estão distribuídas em 30 legendas, sendo que a maioria (92) está vinculada a partidos de esquerda ou centro-esquerda: Psol (25), PT (21), Rede (19), PDT (14), PSB (6), PC do B (3), PSTU (3) e PCB (1).

Histórico

Segundo a Apib, o primeiro indígena eleito no Brasil foi Manoel dos Santos, do povo Karipuna, em 1969. Ele foi vereador na cidade de Oiapoque, no Amapá, durante a ditadura militar.

A Santos seguiu-se o cacique Angelo Kretã, eleito vereador em Mangueirinha (PR) em 1976, também durante a ditadura militar, após pleitear na Justiça o direito à candidatura.

Já o primeiro prefeito indígena eleito, ainda segundo a Apib, foi João Neves, do povo Galibi-Marworno. Ele venceu a disputa em Oiapoque, no Amapá, em 1996.

O primeiro congressista indígena foi Mário Juruna, eleito deputado federal em 1982 pelo PDT do Rio de Janeiro. A ele seguiu-se um longo hiato de mais de três décadas até a chegada de Joenia Wapichana à Câmara dos Deputados.


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