Falsas esperanças

Violência no Equador é resultado da destruição do Estado pelo neoliberalismo, afirmam indígenas

Para a Conaie, principal organização indígena do país, políticas neoliberais dos últimos anos provocaram mais desigualdade e pobreza, “criando condições sociais propícias para o recrutamento de jovens por parte do crime”

Divulgação/FFAA Ecuador
Divulgação/FFAA Ecuador
Equador colocou o Exército nas ruas para tentar aplacar onda de violência comandada por gangues ligadas ao tráfico

São Paulo – A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) afirmou nesta quarta-feira (10) que a onda de violência que assola o país é resultado “de um problema estrutural, originado pela radicalização das políticas neoliberais que destruíram o Estado e suas instituições, deixando-as sem capacidade de resposta”. Para a principal organização indígena do país, essas políticas provocaram mais desigualdade e pobreza, “criando condições sociais propícias para o recrutamento de jovens por parte do crime”.

A mais recente onda de violência irrompeu no Equador após o presidente Daniel Noboa decretar estado de exceção no país, na última segunda-feira (8), depois de Adolfo Macías, conhecido como Fito, líder de Los Choneros – principal gangue criminosa do país – fugir da prisão em Guayaquil.

Desde então, os grupos criminosos ligados ao tráfico de drogas realizaram uma série de ataques às forças de segurança, sequestrando e matando policiais. Numa das cenas mais chocantes, homens encapuzados e armados invadiram ontem os estúdios do canal de TV pública TC Televisión, também em Guayaquil.

Na mesma cidade, a maior do país, os criminosos também invadiram uma universidade, com o objetivo de sequestrar professores e alunos. Em resposta, Noboa assinou um novo decreto, declarando o país em estado de “conflito armado interno”. E colocou o Exército nas ruas para combater os narcotraficantes. Ao menos 13 pessoas morreram em função da onda de violência.

Estado falido e reduzido

Para a Conaie, criminosos, narcotraficantes e máfias se aproveitaram da “permissividade” de diversas autoridades nos últimos anos. Conforme os indígenas, os criminosos “se infiltraram” na maioria das organizações do Estado equatoriano, debilitando a segurança pública.

“A esta crise se soma a falta de liderança e de projetos políticos dos últimos governos, que chegaram ao poder com base em mentiras, falsas esperanças e ataques a diversos atores sociais”, afirma a confederação, em nota. “Estes governos priorizaram suas agendas particulares para favorecer os grandes grupos econômicos, às custas da pobreza e do sofrimento da maioria da população”.

Em 2019, a Conaie liderou uma série de protestos contra o então presidente, Lenín Moreno. Eleito em 2017 com o apoio do ex-presidente progressista Rafael Correa, Moreno rompeu com o antecessor e se aproximou da burguesia equatoriana. Assim, tentou impor medidas exigidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que incluíam cortes de subsídios governamentais, o desmonte da leis trabalhistas e a privatização de serviços públicos.

Desde então, a agenda neoliberal foi mantida pelos governo que se sucederam no Equador. O ex-banqueiro Guillermo Lasso venceu as eleições em 2021. Pouco mais de um ano depois, ele também enfrentou uma série de protestos, novamente comandados pela Conaie. Desta vez, pressionavam pela redução dos preços dos combustíveis, dentre outras demandas sociais. A crise voltou a se agravar no ano passado, quando Lasso chegou a dissolver a Assembleia Nacional (parlamento), e convocando novas eleições.

Apesar do clima de iminente convulsão social no país, o direitista Daniel Noboa, nascido na Flórida (EUA), venceu as eleições presidenciais em novembro de 2023. Ele derrotou a candidata progressista Luisa González. A disputa eleitoral ocorreu já sob clima de violência. Em agosto, gangues assassinaram a tiros o candidato presidencial Fernando Villavicencio.

Autodefesa

Diante da eclosão da violência no Equador, a Conaie conclamou os povos e nacionalidades indígenas para que mantenham ativas as guardas comunitárias, controlando o acesso a seus territórios. A organização acrescenta que é necessário construir a unidade nacional, com todos os setores da sociedade, que permita superar a atual crise.  

“Além disso, exortamos o governo e a Assembleia Nacional a não usar a crise como desculpa para aprovar leis ou políticas antipopulares, que afetem a maioria da população, já que isso só agravará a situação e provocará uma reação popular em defesa dos direitos, em uma conjuntura que não foi provocada pelos povos, mas pelos governos falidos”, finaliza o comunicado oficial.