Irregularidades

‘Houve golpe eleitoral em Honduras’, afirma chefe de observadores sindicais

Iván González acompanhou pleito junto a dirigentes sindicais da América Latina, EUA e Europa e endossa denúncias de fraude: 'urnas modificadas ou não foram contabilizadas'

Gustavo Amador/EFE

Universitários voltam às ruas contra resultados eleitorais, que consideram fraudulentos

São Paulo – “Para além de tudo que digamos agora, acredito que as forças do establishment vão acabar se impondo em Honduras”, resumiu Iván González à RBA um dia depois de deixar Tegucigalpa. Coordenador político da Confederação Sindical de Trabalhadores das Américas (CSA), González chefiou a missão internacional de sindicalistas que viajou ao país centro-americano para observar as eleições presidenciais realizadas no último domingo (24).

Lá, ouviram uma série de denúncias e constataram inconsistências no pleito. E também perceberam a indisposição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) hondurenho em manter a cautela, certificar-se da legalidade do processo e auditar as apurações antes de decretar oficialmente o vencedor da peleja – no caso, o candidato governista, Juan Orlando Hernández, do Partido Nacional. “Estão muito interessados em colocar um ponto final nessa história.”

Leia também:

A CSA organizou uma missão de observação eleitoral a pedido de uma de suas afiliadas no continente, a Confederação Unitária de Trabalhadores de Honduras (CUT-H). “Eles pediram nossa solidariedade devido às dificuldades que vinham enfrentando para monitorar o processo.” O movimento sindical das Américas enviou representantes de centrais dos Estados Unidos, Brasil, Panamá, República Dominicana, Dinamarca e Canadá.

O sindicalistas deixam Honduras com sérias desconfianças. “Realmente, o contexto geral do país não poderia garantir condições de igualdade aos diferentes partidos”, explica González, lembrando que oito siglas lançaram candidatos à sucessão do presidente Porfírio Lobo. “As eleições foram organizadas com as regras dos partidos tradicionais – Nacional e Liberal – e com os vícios dos pleitos anteriores.”

O chefe da missão sindical lembra que, passados quatro dias das eleições, as autoridades hondurenhas ainda não deram respostas convincentes às denúncias de fraude levantadas por Liberdade e Refundação (Libre), da candidata Xiomara Castro, que chegou em segundo lugar na corrida presidencial. O Partido Anticorrupção (PAC), terceiro colocado na corrida presidencial, endossa as suspeitas.

“Houve ocultação de material eleitoral e não se contabilizaram registros que apontavam Xiomara como vencedora”, pontua. Com 84% das urnas processadas, o TSE afirma que Juan Orlando Hernández tem 36,26% dos votos. Logo atrás aparece Xiomara Castro, com 28,98%, e Salvador Nasralla, do PAC, com 13,9%.

Bom, vamos por partes. O que você quer dizer com “garantir condições iguais aos diferentes partidos”? De certa forma, o sistema eleitoral no Brasil, Venezuela ou Estados Unidos tampouco garantem condições iguais aos concorrentes.

Acontece que apenas os partidos tradicionais estavam no controle de todos os passos do processo. Apenas eles controlavam o registro de eleitores. Além disso, o TSE é constituído apenas por magistrados indicados pelos partidos Nacional e Liberal. Não há dentro do tribunal qualquer voz divergente.

Você diz que outro problema das eleições hondurenhas foi repetir os “vícios das eleições anteriores”. O que quer dizer com isso?

Os novos partidos – Libre, PAC e outros menores – apenas participam do conselho consultivo do TSE, que não tem poderes vinculantes, pois as decisões são tomadas apenas pelos partidos tradicionais. Além disso, a compra de votos foi evidente e descarada. Os membros dos partidos tradicionais davam às pessoas, antes de votarem, uma cédula já marcada. Na saída, elas tinham que devolver a papeleta em branco que recebiam no momento da votação. Só então recebiam o dinheiro.

Como os partidos tradicionais conseguiram as cédulas?

Eles têm o controle de todo o processo, inclusive da emissão de material eleitoral.

RBAivanxiomarahonduraspessoal.jpg
González, à esquerda, dialoga com Xiomara Castro em Honduras

Então vocês atestam a ocorrência de fraudes?

Sim. O problema é que o Libre aceitou as regras do jogo e ingenuamente acreditou que a massiva participação popular seria capaz de superar qualquer ocorrência de fraude. Mas é evidente que o mecanismo foi construído para que sua aplicação seja sempre possível.

Quais seriam outros indícios de fraude?

Os membros do Libre reportam que 1.900 atas jamais foram computadas. Essas 1.900 atas representariam cerca de 20% dos votos. Cada ata é resultado da totalização dos votos de cada urna. E há várias urnas em cada mesa. Portanto, 1.900 atas representam 1.900 urnas. Além disso, o próprio TSE informou que uma porcentagem importante das atas não puderam ser processadas por falhas técnicas. Mas não se sabe que falhas técnicas foram essas. O Libre acredita que nesse pacote estariam os votos que dariam a vitória a Xiomara Castro. Seriam mais ou menos 400 mil votos.

E o que garante que seriam votos à candidata do Libre?

É isso que o partido gostaria que as autoridades comprovassem. Cada testemunha de cada partido nas mesas de votação tem uma cópia das atas elaboradas a partir da contagem dos votos de cada urna. O Libre quer que esses documentos sejam contrastados.

Isso não vai acontecer?

Não. Já declararam Juan Orlando Hernández vencedor. Mas Libre tentará até o final que seus argumentos sejam ouvidos e levados em consideração. O problema é que as instâncias formais estão se esgotando – e a muitas delas o partido sequer tem acesso. Nós constatamos que houve retenção no envio das atas. Na segunda-feira (25) à tarde, o TSE não havia recebido muitas atas que deveriam ter sido enviadas logo após o fechamento das mesas. As atas deveriam ter sido escaneadas, enviadas por correio eletrônico e recebidas no centro de totalização. No caminho entre a assinatura e a digitalização das atas, muitas se perderam – e muitas que foram enviadas chegaram com dados alterados. Libre quer apenas comprovar se as atas que seus membros assinaram foram as mesmas computadas pelo TSE.

Se é assim, por que organizações como OEA e União Europeia declararam que as eleições foram limpas?

A questão é que essa certificação acontece sobre os processos formais. Não parece que OEA e UE possuam todos os elementos para afirmar a lisura das eleições. Não estão levando em consideração as alegações do partido derrotado. Em Honduras, dizem que o resultado eleitoral não pode ser entendido sem levar em consideração o fato de que houve um golpe de Estado em 2009. Esse golpe foi executado pelos mesmos personagens que venceram as eleições de 2013. O Libre, que saiu derrotado no pleito, é liderado pelo ex-presidente Manuel Zelaya, que há quatro anos foi derrubado. O partido defende a convocação de uma Assembleia Constituinte e a reversão das medidas adotadas pelo governo hondurenho depois do golpe – e que foram ratificadas pelo Congresso, que era presidido por Juan Orlando Hernández, candidato que vem sendo anunciado como vencedor das eleições.

Que papel teve Hernández no golpe de 2009?

Hernández era líder do Partido Nacional no Congresso, e apoiou o golpe. Aliás, ele nunca se refere ao episódio como golpe de Estado. Diz que houve uma “sucessão presidencial constitucional”.

E agora? Há chances de que os cidadãos saiam às ruas para protestar?

As ruas são um recurso que tanto Libre como a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), que apoia o partido, sabem como utilizar. Mas não está muito claro se irão utilizá-la, como fizeram depois do golpe de Estado. Eles estão tomando todas as precauções para não serem responsabilizados como causadores de um novo ciclo de violência política, como houve há quatro anos. Por outro lado, o Libre conseguiu uma boa representação parlamentar. O novo presidente da República não terá maioria no Congresso: terá que fazer alianças. O Libre quer mostrar que é uma força que chegou para romper o bipartidarismo hondurenho. E conseguiu. O Partido Liberal foi deslocado e hoje é a terceira força do país. Libre e PAC serão os atores políticos do futuro em Honduras. Isso é um avanço, apesar de PAC ser um partido com discurso bastante moralista. Sua votação expressiva – 13% – mostra que a população está cansada de corrupção.

E a manifestação dos estudantes, que aconteceu anteontem?

Acredito que não será tão fácil controlar a indignação das pessoas. É uma indignação acumulada, que se radicaliza com a manipulação eleitoral. Muita gente tem consciência de que um novo governo do Partido Nacional, com Juan Hernández à frente, será um governo de repressão e maior atraso social e econômico. Eles não apenas são responsáveis pelo golpe de Estado de 2009, mas também de todas as políticas que foram implementadas depois.

Que políticas seriam essas?

Privatização dos serviços públicos essenciais, como eletricidade e portos, que são fundamentais para a sociedade hondurenha. Houve reforma dos institutos educacionais, que atacam as conquistas históricas dos trabalhadores. Também houve venda de territórios tradicionais, como os das comunidades garífunas, e cumplicidade com as multinacionais em operação nas terras camponesas, como Bajo Aguán.

E a repressão policial?

Esse foi o discurso central da campanha de Juan Hernández: criar uma polícia militar para supostamente combater a criminalidade. Porém, o candidato não explica como acabará com a corrupção policial e a cumplicidade das forças de segurança com o narcotráfico e o contrabando. Existem evidências de envolvimento dos partidos tradicionais com o negócio das drogas. A militarização da polícia tem sido vista muito mais como um recurso para combater os movimentos sociais que resistem às políticas do governo.

É possível dizer que as eleições de 2013 são uma continuidade do golpe de Estado de 2009?

Foi um golpe eleitoral. É a conclusão de um processo pelo qual a oligarquia hondurenha tenta acabar com qualquer possibilidade de implantação de um novo projeto para o país. Por isso, é muito importante que os movimentos sociais latino-americanos possam acompanhar solidariamente as organizações populares de Honduras. Uma vez consolidada essa farsa eleitoral, se avizinham mais autoritarismo e mais repressão contra sindicalistas, indígenas, camponeses e outros líderes sociais.