Indecisão

Após eleições, hondurenhos vivem impasse enquanto esperam resultados confiáveis

Com menos da metade das urnas apuradas, dois candidatos à presidência se declaram vencedores. Outros denunciam fraudes. Empobrecido e violento, país está dividido desde último golpe de Estado

Gustavo Amador/efe

Na noite de ontem (24), o candidato do Partido Nacional, Juan Orlando Hernández, já comemorava resultados

São Paulo – Os hondurenhos começaram a semana confusos: não porque não tenham decidido em quem votar nas eleições presidenciais que se realizaram ontem (24) em todo o país, mas porque ainda não têm como saber quem realmente saiu vitorioso na disputa. E o comportamento intempestivo dos candidatos não ajuda. Com menos da metade das urnas apuradas, os dois principais pretendentes ao cargo se declararam vencedores.

O primeiro a gritar “ganhei” foi o governista Juan Orlando Hernández, do Partido Nacional. Hernández aproveitou o primeiro relatório divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) hondurenho, ainda na noite de ontem, para anunciar sua vitória. A autoridade atribuiu a Hernández 34,97% dos votos: seis pontos percentuais à frente de Xiomara Castro, do partido Liberdade e Refundação (Libre). A legislação do país não prevê segundo turno.

Leia também:

Comandado pelo presidente Porfírio Lobo, o governo de Honduras aproveitou o resultado parcial do TSE para, também na noite de ontem, endossar a vitória de seu candidato. Naquele momento, porém, apenas 24% das mesas de votação haviam sido apuradas. A ansiedade de Hernández acabou fazendo com que a oposição também se precipitasse: Xiomara Castro decidiu ir a público, não para reconhecer a derrota ou felicitar o adversário, mas para contrariar os resultados e também se proclamar vencedora.

Alguns governos alinhados ao presidente hondurenho (Colômbia, Panamá e Guatemala) se apressaram em reconhecer os “resultados” eleitorais e deram os parabéns a Hernández. Enquanto isso, os dirigentes do oposicionista Libre deram início a uma campanha de deslegitimação dos números parciais apresentados pelo TSE e, sobretudo, das pretensões governistas em decretar por antecipação o final da corrida presidencial. Com o avanço das apurações, na manhã de hoje, pouco mudou: 54% das urnas já foram contabilizadas: Hernández continua com 34% e Xiomara, com 28%.

De acordo com observadores internacionais, não há indícios gritantes de fraude. “Assistimos a uma processo bastante pacífico e muito fluido, em que houve transparência”, expressou ao jornal Página 12 a eurodeputada austríaca Ulrike Lunacek, chefe da missão de observação eleitoral da União Europeia. Essa tranquilidade não impediu, porém, que cinco pessoas fossem assassinadas perto de um recinto eleitoral no interior do país. Segundo o New York Times, 16 mil pessoas observaram oficialmente o pleito hondurenho – 750 delas vieram do exterior. Cerca de mil jornalistas se credenciaram para cobrir as eleições.

Mais de 5 milhões de hondurenhos estavam habilitados a votar ontem. Pela primeira vez na história do país, nove partidos lançaram candidatos aos cargos em disputa. A presidência foi pretendida por seis siglas. Quatro grupos políticos possuem menos de quatro anos de existência: surgiram na esteira do golpe de Estado que, com apoio das forças armadas, dos Estados Unidos e do Congresso, derrubou o presidente Manuel Zelaya em 2009. O Libre, de Xiomara Castro, é um deles.

Xiomara é esposa de Manuel Zelaya. Esteve com o marido na embaixada brasileira em Tegucigalpa durante os quatro meses em que o presidente esteve no edifício para não ser preso depois que ensaiou retornar ao país. Ao ser deposto, na calada da noite, Zelaya foi colocado pelo exército dentro de um avião e desterrado. Pousou no exílio apenas com as roupas do corpo, enquanto as forças armadas sitiavam o país e declaravam o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, como novo chefe de Estado. Mais tarde, Zelaya tentaria voltar ao país. Ameaçado com prisão, não conseguiu. Foi quando chegou escondido à capital e procurou refúgio na embaixada do Brasil, que não apoiara sua deposição. Lá permaneceu por quatro meses.

Há inúmeros relatos de perseguição política, prisões arbitrárias e assassinatos contra sindicalistas, partidários de Zelaya e membros de movimentos sociais hondurenhos nos meses que se seguiram ao golpe. Com seu principal representante político banido do país, a esquerda se reuniu no Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) e começou uma intensa campanha de articulação e denúncia do regime de força que havia tomado o país.

Poucos meses depois, em 2010, em eleições apoiadas pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pelos Estados Unidos e pelos países da América Latina, os golpistas conseguiram emplacar o nome de Porfírio Lobo como presidente constitucional. Em 2012, muitos dirigentes do FNRP dariam origem ao Libre com vistas às eleições presidenciais. A intenção do grupo, de inspiração socialista, é retomar o poder e dar continuidade às reformas iniciadas por Zelaya.

Ao menos no discurso dos golpistas, a razão que levou Zelaya ao desterro foram suas intenções de alterar a Constituição para se perpetuar no poder. De fato, o presidente, então, estava prestes a convocar uma Assembleia Constituinte para reescrever a Carta hondurenha e, em suas próprias palavras, refundar o país. Uma das mudanças que Zelaya gostaria de ver refletida nas leis superiores de Honduras era a reeleição – prerrogativa hoje inexistente na legislação eleitoral.

Contudo, sua proximidade com Hugo Chávez, que então comandava a Venezuela, despertava suspeitas na oligarquia que controla a política hondurenha – oligarquia a que Zelaya, um rico proprietário de terras, também pertence. Durante seu governo, o então presidente havia se aproximado de Caracas. Zelaya fechara acordos petrolíferos com Chávez e havia ingressado oficialmente na Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), bloco então liderado pelo venezuelano.

A principal promessa de campanha de Xiomara Castro é convocar uma Assembleia Constituinte. Para a candidata, essa é a única maneira de resolver os graves problemas sociais do país. Honduras é um dos países mais violentos do mundo. No ano passado, a taxa de homicídio foi de 85,5 a cada 100 mil habitantes – no Brasil é 25. Foram mais de sete mil pessoas assassinadas – número maior do que o observado em 2011 e 2010. Os hondurenhos enfrentam ainda sérios problemas com a pobreza e o tráfico de drogas.

Por outro lado, Juan Hernández propõe resolver o problema criando uma nova força policial. Economicamente, o candidato conservador pretende privatizar algumas empresas públicas, flexibilizar a legislação trabalhista, aumentar o nível de investimentos estrangeiros e criar programas assistencialistas. Ao figurar em primeiro lugar na lista parcial do TSE, Hernández se deixou fotografar ao lado de familiares, ajoelhado, rezando a deus pela graça alcançada.