Problemas reais

Na Assembleia, ouvidor relata mortes de crianças e perfil das vítimas da PM de Tarcísio

Ouvidor das polícias de São Paulo mostrou preocupação com a Operação Escudo, na Baixada Santista, e defendeu uso de câmeras corporais até em benefício dos próprios agentes

Alexandre Carvalho/A2img/Fotos Públicas
Alexandre Carvalho/A2img/Fotos Públicas
'A legislação brasileira determina que crianças e adolescentes são prioridade. Responsabilidade também do Estado', afirma ouvidor

São Paulo – Em meio a notícias diárias sobre violência, o ouvidor das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, foi à Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (13) para falar aos deputados da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais, presidida por Eduardo Suplicy (PT). Relatou dados preocupantes, como o aumento de mortes de crianças e adolescentes, além da mortes em consequências de ações policiais na Baixada Santista.

A Ouvidoria é um órgão do governo estadual que recebe e encaminha denúncias, reclamações e elogios sobre a ação policial. Não tem poder de investigação. Claudinho, como é conhecido, foi nomeado pelo então governador Rodrigo Garcia (PSDB) depois de o chefe do Executivo ter sido alvo de representação do Ministério Público. Militante negro e do hip hop, na Assembleia, hoje, ele falou sobre os desafios na defesa da população e também dos policiais, além de apresentar dados sobre o desempenho dos agentes, sobretudo o aumento em mais de 50% das mortes de crianças e adolescentes na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

“A Ouvidoria é construção dos movimentos sociais. Essa gestão tem compromisso com os direitos humanos efetivos e plurais. Defendemos os policiais, todos eles. Vocês devem imaginar como está difícil a vida dos policiais militares e civis em São Paulo”, disse o ouvidor, que foi nomeado para o cargo em dezembro de 2022. “A Ouvidoria precisa ser porta de entrada das pessoas que buscam justiça e também construir pontes para a cidadania efetiva”, prosseguiu. “Ela está à disposição de toda a população. Todos os policiais que nos procuraram tiveram nossa audição. Temos a determinação de que ninguém deixará de ser ouvido.”

Operação Escudo

Entre os principais problemas neste ano está a Operação Escudo, da Polícia Militar, com ações deflagradas na Baixada Santista como possível “vingança” pela morte de um agente policial em Guarujá. A operação da PM de Tarcísio tem relatos de possíveis torturas, execuções e fraudes processuais, entre outras denúncias. E deixou no mínimo 28 mortos.

“Temos problemas. A Operação Escudo. O soldado Patrick Bastos Reis é alvejado no Guarujá no dia 27 de julho. A partir do dia 28 deflagram a Operação Escudo. Tivemos uma série de questões. Tivemos policiais postando em redes sociais placar de mortes e comemorando. Cada vez que morria uma pessoa ele colocava mais um número. Tivemos denúncias de tortura, invasão de domicílio, inclusive no horário noturno”, relatou.

Prejuízo no diálogo

Cláudio explicou que encontrou dificuldades no diálogo com a Secretaria da Segurança Pública, sob comando do também bolsonarista Guilherme Derrite – agora “exonerado” para relatar projeto na Câmara. “Perguntamos o que estava acontecendo para a SSP. Tivemos queixas de que, em três dias, morreram algo em torno de 10 pessoas. Mobilizamos a CDH (Comissão de Direitos Humanos) da OAB e outras entidades. Suplicy ligou para a SSP, mas não teve êxito. Então, falou com o delegado Nico (Osvaldo Nico, secretário-executivo da Segurança Pública e ex-delegado-geral da Polícia Civil do Estado). A resposta foi de que não tinha nenhuma morte. Continuamos com a narrativa de que tínhamos denúncias. Tínhamos fotos de sepultamentos e reclamações de tortura.”

De fato, após um período curto, os mortos “apareceram”. “A SSP manteve a narrativa de que os números da Ouvidoria eram incorretos. Poucos dias depois, os números bateram. Pacificamos o debate sobre o número. Fizemos missão na Baixada Santista. Há uma pressão forte. Logo que descemos do veículo, um senhor reclama para nós. Que a informação é que todo mundo que tivesse passagem ia morrer e ele tinha um filho que passou pela Fundação Casa. A partir daí, vários outros relatos”, disse.

O resultado da Operação Escudo mostra que todas as vítimas são homens. A grande maioria, 81,43%, negros. As faixas mais atingidas revela perfil jovem: de 18 a 24 e de 35 a 39 anos (17,86% cada).

Crianças e adolescentes

Um dos dados mais preocupantes é o aumento brusco de crianças e adolescentes mortos em decorrência de ações policiais. Ao apresentar uma série de dados, o ouvidor revelou preocupação sobre o tema. Sobre o perfil das vítimas em 2023, informou que 100% são homens, 57,84% negros e 31,55%, brancos. Jovens de 18 a 24 anos representam 27,55%.

“Também temos um dado da morte de crianças e adolescentes em razão de intervenção policial. Esse dado vinha reduzindo nos últimos anos. No nosso dado, no ano passado, subiu 41,38%. O dado da SSP é mais assustador ainda, é que cresceu 58%. Isso tudo é motivo de preocupação. A legislação brasileira determina que crianças e adolescentes são prioridade. Responsabilidade também do Estado. É fundamental ter essa preocupação”, alertou o ouvidor.

Câmeras corporais

Outro tema incômodo para o governo Tarcísio e a base bolsonarista na Assembleia é o das câmeras corporais. Entre os radicais, prevalece o entendimento de que elas retirariam certa autonomia das ações policiais – o que é interpretado como uma ação pela impunidade dos excessos. Mas o ouvidor observa que as câmeras são essenciais para os próprios agentes.

“Defendemos como algo importante. Temos dados e estudos que demonstram que elas são fundamentais na garantia da vida das pessoas que são abordadas mas, também, garantir a vida e a atuação jurídica dos policiais. Os policiais sabem que temos muitas denúncias de agressividade que podem não ser verdade. E temos que avaliar isso. As câmeras deixam isso muito simples”, observou.

Soldados doentes e com dívidas

Segundo ele, boa parte da tropa está doente, com problemas físicos, mentais e também com dívidas sobre processos que as câmeras poderiam resolver facilmente. “As câmeras também têm relação com economia jurídica. Elas prestam prova cabal de que um policial praticou ou não uma ação. É fundamental dizer que policiais, principalmente praças, que respondem alguma questão, muitas vezes eles se desfazem de economias para se defender no sistema judiciário militar.”

Nesse sentido, trata-se de um instrumento de defesa do policial. E que também resulta em redução da mortalidade dos agentes. “Temos muitas notícias de policiais que venderam suas casas para defesa em inquérito militar. Então, as câmeras ajudam nisso. Os números são fortes. Reduzem em torno de 54% as mortes de policiais em serviço com câmeras. Reduzem 77% as mortes devidas à ação policial. As câmeras darão contribuição fundamental.”

Por fim, o ouvidor destacou seu compromisso com os policiais e com o movimento social. Ele citou como bom exemplo uma iniciativa desenvolvida no Jardim Ângela, bairro no extremo sul da capital.

“Existe uma articulação no Jardim Ângela que se chama Fórum em Defesa da Vida. Ele já foi o bairro mais violento do planeta. Hoje, sequer frequenta as páginas policiais. Isso com iniciativa dos movimentos sociais. A partir da reflexão coletiva, construíram caminhos para viabilizar qualidade de vida para os moradores. Tem desde casas para acolher mulheres vítimas de violência a creches populares. A razão da nossa deferência ao movimento social é em razão dessas experiências. O movimento social é fundamental para nos guiar e oferecer possibilidades.”