Populismo penal

Derrite é exonerado para ‘faturar créditos’ do caos penitenciário com fim das ‘saidinhas’, diz desembargador

Secretário foi exonerado por Tarcísio para relatar projeto na Câmara que, na avaliação de autoridades, compromete a segurança pública. Ele é também o responsável pela operação policial que já matou 43 na Baixada Santista

Reprodução/Facebook
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"Fiel tradução do populismo penal: endurecer o sistema e faturar os créditos. O caos penitenciário deixa para os futuros governos arcarem", contestou o desembargador Marcelo Semer

São Paulo – O Projeto de Lei (PL) 2.253/2022, que altera a Lei de Execução Penal e acaba com a possibilidade de saída temporária de presos, as chamadas “saidinhas”, deve ir à votação na Câmara dos Deputados até a próxima semana. E sob a relatoria do novamente deputado federal Guilherme Derrite (PL-SP). Ele foi exonerado nesta terça-feira (12) pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) do cargo de secretário da Segurança Pública para reassumir a cadeira no parlamento, com o objetivo específico de relatar a proposta – que é contestada por especialistas.

A avaliação de autoridades é que o fim da saída temporária em datas comemorativas pode agravar os índices de segurança pública, além de prejudicar a ressocialização e elevar gastos para União e estados. Derrite era o relator quando o PL foi aprovado, em agosto de 2022. E pediu ao governador e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para reassumir o mandato a fim de dar novamente seu parecer na relatoria final do PL. O texto sofreu alterações ao ser aprovado no Senado, em fevereiro.

“Eu reassumo meu mandato hoje. E, se Deus quiser, na semana que vem, esse projeto já vai estar pronto, vai entrar na pauta de votações e colocaremos, de uma vez por todas, um fim nas saídas temporárias de presos no Brasil, acabando com uma de várias ferramentas de impunidade que existem no Brasil”, disse Derrite em suas redes sociais. Assim que o projeto for relatado, ele reassume a pasta, de acordo com a SSP.

Tradução do populismo penal

A troca chamou atenção de autoridades que avaliaram que a saída temporária do bolsonarista visa endurecer ainda mais a guerra social que tem como alvo negros e pobres. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Marcelo Semer, conhecido crítico do encarceramento em massa, destacou o caso como a “fiel tradução do populismo penal: endurecer o sistema e faturar os créditos”. “O caos penitenciário deixa para os futuros governos arcarem”, escreveu na rede X.

Conforme reportou a RBA, o fim das “saidinhas” é criticado também pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Ele aponta o risco de que a medida provoque rebeliões e prejudique o processo de ressocialização do detento. Isso porque – sem perspectiva de visitar a família ou progredir de regime – custodiados, hoje com bom comportamento, podem deixar de respeitar as regras do cárcere.

Entidades como o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) lembram que, pela legislação, a “saidinha” é restrita a presos que cumpram alguns requisitos. Por exemplo, estar no regime semiaberto e ter comportamento adequado dentro do presídio.

Mortos na Baixa Santista

Os especialistas também rebatem o argumento de Derrite de que a possibilidade de deixar em datas especiais o presídio seja uma medida de “impunidade” e disfuncional. No Natal de 2023, por exemplo, pouco mais de 52 mil presos deixaram a prisão, entre 17 das 27 unidades da federação que concederam o benefício. Desse total, somente 5% não retornaram.

O agora deputado deixa a secretaria exatamente no dia que o número de mortos na Operação Verão na Baixada Santista, no litoral paulista, chegou a 43. A ação policial é uma segunda fase da Operação Escudo, realizada entre julho e setembro de 2023. Deixou 28 mortos em 40 dias, com a mesma motivação da nova fase: reação à morte de um policial militar.

Apesar da letalidade, a operação vem sendo defendida por Derrite e Tarcísio. O governo de São Paulo também desconsidera as denúncias de execução sumárias, tortura e prisões forjadas. No entanto, as queixas passaram a ser investigadas pelo Ministério Público (MPSP). O órgão abriu na última semana inquérito para apurar denúncia de funcionários da área de saúde de Santos, de que as pessoas mortas nas operações da PM estariam sendo levadas como vivas para hospitais. Esse procedimento prejudicaria a realização da perícia no local das mortes.

O caso foi lembrado pela co-deputada estadual Paula Nunes, da Bancada Feminista do Psol em São Paulo. “Além de ser o responsável por manter a Operação Verão, antiga operação Escudo, que já matou mais de 40 pessoas e encarcerou outras centenas, agora Derrite vai voltar ao cargo de deputado pra votar o projeto que encarcera ainda mais o povo preto e pobre”, lamentou a parlamentar.

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Redação: Clara Assunção



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