Mais gastos, mais insegurança

‘PL das saidinhas’ desestimula presos a ter bom comportamento, e ministro recomendará veto

Projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos será analisado nesta terça pelo Senado. Restrição é contestada por especialistas por elevar gastos, aumentar a insegurança e prejudicar processo de reintegração social

Manuel Carlos Montenegro/Agência Brasil
Manuel Carlos Montenegro/Agência Brasil
"A lei praticamente extirpa as possibilidades de inserção no mercado de trabalho e na vida comunitária", destacam entidades

São Paulo – O plenário do Senado pode votar nesta terça-feira (20) o Projeto de Lei (PL) 2.253/2022, que altera a Lei de Execução Penal e acaba com a possibilidade de saída temporária de presos, as chamadas “saidinhas”. A proposta, que entrou na ordem do dia após aprovação de requerimento de urgência, consta na pauta deliberativa de sessão com início previsto para as 14h, e vem sendo contestada por especialistas em segurança pública, apesar do anseio dos parlamentares.

A avaliação de estudiosos é que o fim da saída temporária em datas comemorativas pode agravar os índices de insegurança pública, prejudicar a ressocialização e elevar os gastos para a União e os estados. A medida também tem oposição do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Segundo informações de seus auxiliares ao portal Metrópoles, o titular da pasta recomendará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que vete o PL, caso ele seja aprovado pelos senadores. Lewandowski avalia que a saída temporária ajuda detentos a ter bom comportamento.

Sem a perspectiva de visitar a família ou progredir de regime, que permite as saídas, o risco é de que os detentos, hoje com bom comportamento, deixem de respeitar as regras do cárcere, como também advertem 66 entidades e órgãos públicos. Na última sexta (16), o grupo enviou uma nota técnica ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mostrando que “a dura realidade do sistema prisional brasileiro” não foi levada em conta na proposição do texto legislativo. E que o projeto invoca “casos excepcionalíssimos de crimes praticados por pessoas que estavam em saída temporária e afirmações genéricas”.

Custos

As entidades ressaltam que a legislação que atualmente garante o benefício da “saidinha” é restrita presos que cumpram alguns requisitos. Entre eles, estar no regime semiaberto e ter comportamento adequado dentro do presídio. No Natal de 2023, por exemplo, pouco mais de 52 mil presos deixaram a prisão entre 17 das 27 unidades da federação que concederam o benefício. Desse total, somente 5% dos presos que saíram não retornaram. Os dados foram levantados pelo portal g1 junto aos governos estaduais.

“A lei praticamente extirpa as possibilidades de inserção no mercado de trabalho e na vida comunitária. Dificilmente alguém contrataria pessoa que carrega, de forma ostensiva, uma tornozeleira como materialização de seu estigma”, diz o documento, criticando a ampliação do uso de tornozeleiras eletrônicas sem apresentar um estudo orçamentário. Hoje, o dispositivo é usado em saídas temporárias ou prisão domiciliar. A nota é assinada por órgãos como o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Regressão

O grupo também contesta a obrigatoriedade de realização de exames criminológicos para toda e qualquer progressão de regime. O exame não tem eficácia comprovada cientificamente e deixou de ser exigido no país ainda em 2003, observa a nota técnica. Além disso, devido à “precarização das equipes técnicas das unidades prisionais”, os exames criminológicos também demoram, no mínimo, quatro meses para serem elaborados. Para os especialistas, a exigência atrasará a tramitação dos processos. Assim como vai piorar a superlotação carcerária, que hoje já é a terceira maior do mundo.

Ao g1, o secretário nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Rafael Velasco, também lembrou que a saída temporária existe para que o preso seja reintegrado à vida em sociedade de forma progressiva, aos poucos, durante o cumprimento da pena. “Uma ressocialização para que o preso não seja lançado diretamente do cumprimento da pena no regime fechado para a sociedade sem chance de progressivamente ser reintegrado, como prevê o sistema”, explicou também contestando o PL.

Sobre o projeto de lei

O PL 2.253/2022 foi aprovado pelo Senado em 2013 e pela Câmara dos Deputados em 2022. Como foi alterada pelos deputados, voltou para análise dos senadores. O texto, porém, só voltou à tona após o policial militar de Minas Gerais Roger Dias da Cunha ser morto por um preso que foi beneficiado com a saidinha de Natal no dia 6 de janeiro.

Após o crime, Welbert de Souza Fagundes foi preso novamente e punido com a volta ao regime fechado, o que o fez perder o benefício. No entanto, parlamentares bolsonaristas, a chamada bancada da bala e Pacheco passaram a defender a revisão de medidas de ressocialização. Na retomada dos trabalhos legislativos, no início de fevereiro, o projeto passou pela aprovação da Comissão de Segurança Pública (CSP) com relatório favorável do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A matéria ganhou tramitação em regime de urgência e, sob protesto da oposição, foi levada diretamente ao plenário.

De acordo com os senadores Paulo Paim (PT-RS), Jorge Kajuru (PSB-GO), Zenaide Maia (PSD-RN) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), o PL deveria também ter sido discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), como estava previsto.

Redação: Clara Assunção