1 ano e 4 meses

Investigação decente sobre morte de Marielle levará a ‘teia’ entre milicianos e agentes públicos

Sociólogo afirma que grupos criminosos são parte do poder no Rio e cita risco às investigações estaduais. "Como é que próximos de quase um ano e meio do assassinato de Marielle não se tem informações plausíveis?"

Fernando Frazão/EBC
Fernando Frazão/EBC
Sociólogo avalia que pelo grau de envolvimento das milícias no estado do Rio, investigação do caso precisa ser levada ao nível federal para impedir constantes obstruções que veem sendo denunciadas

São Paulo – Passados um ano e quatro meses do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e de Anderson Gomes, que dirigia o carro em que ambos foram emboscados, completados neste domingo (14), a Delegacia de Homicídio da Capital (DH) e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) ainda não responderam aos principais questionamentos que despontam desse crime: quem mandou matar Marielle e qual foi a motivação?. Por outro lado, os poucos indícios levantados pela investigação têm mostrado que a morte de Marielle e Anderson podem, na verdade, revelar uma teia de relações criminosas no Rio formada por agentes do Estado que, a partir da estrutura de segurança pública, constroem sua força política e econômica a partir das atividades criminosas das chamadas milícias.

Até agora, a DH e o MP-RJ apontaram como participantes diretos da execução de Marielle o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, ambos integrantes do grupo de ex-policiais e matadores de aluguel, conhecido como Escritório do Crime, que atua em diversas atividades ilegais na zona oeste da capital fluminense. Na linha dos suspeitos de serem  mandantes desses grupos há pelo menos três hipóteses, e todas revelam a ligação entre milicianos com membros do Legislativo que têm atuado ainda para a obstrução das investigações sobre o caso.

“Marielle tinha poder”, destaca o sociólogo José Cláudio Souza Alves em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual. “Ela se transformou em uma ameaça, e uma ameaça eles (milicianos) lidam dessa maneira, eliminam, matam, assim como toda a estrutura totalitária e autoritária que foi gerada a partir do golpe de 1964 e que sobrevive até os dias de hoje com muito poder nesse país”, destaca o autor do livro Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense, e ex-pró-reitor de extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que estuda as milícias há 26 anos.

Não à toa que, para o professor, o grau de aparelhamento desses grupos criminosos na estrutura de poder do Brasil pode comprovar não apenas que a milícia não é o poder paralelo, mas o Estado, como está inserida no próprio Executivo. De acordo com o inquérito, Lessa, apontado como o assassino, atuava de forma próxima ao ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, que é fundador e chefe do Escritório do Crime, e cuja mãe e esposa atuavam no gabinete do então deputado estadual – e hoje senador – Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), empregadas pelo seu ex-assessor Fabrício Queiroz, todos investigados, atualmente, por movimentações atípicas.

Queiroz, que não compareceu ao MP para dar explicações quando foi convocado, estava escondido em Rio das Pedras, principal região em que atua o Escritório do Crime. “Ele (Queiroz) fazia parte de um grande esquema de mobilidade financeira dentro desses grupos, é um elo que está sendo preservado, escondido, ocultado da sociedade como um todo para que não se chegue a dimensões mais graves do comprometimento do poder instituído hoje no Brasil com esses grupos (de milícias)”, avalia Alves. “Se houver uma investigação decente você chega nessas famílias todas”.

Riscos às investigações

Por conta desse grau de envolvimento entre os poderes públicos e as milícias o sociólogo aponta que há riscos às investigações que possam levar aos mandantes do assassinato de Marielle, podendo ser “reconfiguradas” ou mesmo “montadas” para proteger agentes do Estado. Para Alves, enquanto o controle da apuração for do governo do Rio de Janeiro, juntamente com seus representantes e subordinados na esfera da segurança pública, “o caso não avança”.

Nesta segunda-feira (15), a Justiça do Rio, com apoio do Ministério Público estadual, negou um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) que queria ter acesso às provas do caso para analisar uma possível federalização das investigações. Por meio do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, o pedido foi negado sob a alegação de que o inquérito policial está sobre segredo de justiça.

“Não tem explicação, isso não passa por segredo de justiça. Segredo de justiça é você não levar à mídia” contesta o especialista à Rádio Brasil Atual. “O que deveria acontecer é o contrário, o governo federal, a estrutura da PGR, é quem deveriam ir às esferas do Rio de Janeiro fazer a investigação e impedir que as forças policiais do estado tivessem acesso a essas informações”, rebate. “Eles deveriam estar trazendo à luz pelo menos os órgãos fora do Rio de Janeiro para que pudessem fazer operações reais (…) Como é que próximos de quase um ano e meio do assassinato de Marielle não se tem informações plausíveis de uma investigação?”, questiona o sociólogo diante da falta de apontamentos sobre o duplo assassinato.

Ouça a entrevista completa