mobilização

Assembleia popular amplia articulações e define protestos contra ‘retrocesso democrático’

Movimentos irão às ruas de SP contra intensificação dos abusos da PM nas periferias e em manifestações públicas, e na tentativa de barrar projeto de lei que quer limitar protesto social no país

Levi Bianco/Brazil Photo Press/Folhapress

Apenas de sutiã, mulher passa por revista após cerco policial contra manifestantes em SP

São Paulo – Pelo menos dois atos públicos devem ocorrer na cidade de São Paulo durante as próximas semanas para denunciar os sucessivos abusos cometidos pela Polícia Militar nas periferias da capital e na repressão aos protestos populares, e contra as intenções do governo federal de enviar ao Congresso um projeto de lei para regulamentar as manifestações no país. Estas foram as duas principais conclusões da assembleia popular realizada ontem (6) na Praça Roosevelt, centro da cidade, com aproximadamente 200 pessoas.

A plenária foi convocada pela campanha “Por que o senhor atirou em mim?”, que reúne vítimas da violência policial, coletivos da periferia e grupos do movimento negro paulistano empenhados nas discussões sobre a desmilitarização da PM. O debate de ontem (6) ampliou a articulação com outras organizações populares, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Representantes da Defensoria Pública de São Paulo, Advogados Ativistas, ONGs de direitos humanos, partidos de esquerda, centros acadêmicos, sindicatos e cidadãos engrossaram os debates.

Leia também:

Uma das primeiras ações do grupo deve ser a realização de um ato político nos dias 19 ou 20 de março, no Teatro Oficina, espaço cênico dirigido por Zé Celso Martinez Correa no bairro do Bixiga, centro da capital. A ideia é atrair artistas, juristas, parlamentares e intelectuais para a causa. Mas o grupo também pretende ir às ruas. Existe a intenção de se somar a manifestações que já estão sendo organizadas por movimentos sociais nos dias 31 de março ou 1º de abril. A proposta é pegar carona no aniversário de 50 anos do golpe civil-midiático-militar de 1964 e evidenciar o que tem sido avaliado como novas ameaças às liberdades civis e à democracia. Uma nova assembleia foi marcada para a próxima quarta-feira, 12 de março.

“Os recentes acontecimentos mostram que, quando o povo se mobiliza e vai à luta, a resposta das elites é a repressão”, apontou um dos participantes da assembleia, Igor Felipe, membro do MST. “É o momento de construirmos a máxima unidade para enfrentar essa conjuntura adversa, que se manifesta por meio da violência policial, por projetos de lei repressores e pela escalada conservadora que vivemos no país. É um momento crucial.”

Contexto

Na última quinta-feira (5), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que o governo federal enviará ao Congresso na semana que vem uma proposta legislativa para regulamentar o protesto social no país. Cardozo não deu detalhes sobre o teor do texto, mas adiantou que haverá restrições ao uso de máscaras e obrigatoriedade de notificação prévia das autoridades. O ministro entende que tais determinações estão expressas no artigo 5º da Constituição.

De acordo com o titular da Justiça, haverá ainda endurecimento de penas para pessoas acusadas de vandalismo e outros crimes cometidos durante os protestos. A intenção do governo é tramitar a matéria pelo Congresso em regime de urgência constitucional, o que fará com que a pauta da Câmara, onde será inicialmente apreciada, seja trancada em no máximo 45 dias caso a proposta não seja votada. Cardozo deseja ver a lei vigorando antes do início da Copa do Mundo, em 12 de junho.

O ministro da Justiça também pretende estender às demais capitais do país a nova tática utilizada pela Polícia Militar de São Paulo para impedir manifestações. Conhecida como kettling, torniquete ou caldeirão de Hamburgo, a técnica foi utilizada na contenção do segundo ato contra a Copa do Mundo, realizado na capital em 22 de fevereiro. Na ocasião, um efetivo de 2,3 mil policiais cercou as 1,5 mil manifestantes que marchavam pelas ruas do centro antes que qualquer crime tivesse sido cometido. Ao menos 262 pessoas foram agredidas e detidas sem acusação. Entre presos e feridos também havia 19 membros da imprensa, além de advogados, que tiveram suas liberdades profissionais violadas pelos PMs.

“É um absurdo que essas práticas estejam sendo levadas para outros estados”, condenou um dos participantes da assembleia. “Há um contexto muito claro de Estado de exceção que está se colocando no país por causa da Copa do Mundo e por exigência da Fifa”, complementou outro. Ao tomar o microfone, um membro do Sindicato dos Metroviários de São Paulo lembrou que direitos básicos estão sendo violados não apenas em São Paulo. “Olhem o que está acontecendo com os garis do Rio de Janeiro, as demissões”, pontuou. “Nosso jogo está se decidindo em vários lugares. Precisamos nos coordenar e reagir à altura.”

Petição

Em 25 de fevereiro, o grupo lançou uma petição pública pela proibição do uso de armas letais em manifestações; respeito ao trabalho de jornalistas, advogados e socorristas; fim das prisões por averiguação; obrigatoriedade na identificação de policiais durante protestos; e punição aos agentes envolvidos em abusos. O documento também é contrário ao endurecimento de penas, à proibição do uso de máscaras e ao emprego das Forças Armadas contra a população civil, como prevê o manual Garantia da Lei e da Ordem, publicado em dezembro pelo Ministério da Defesa.

Até agora, mais de 900 pessoas aderiram ao manifesto, entre eles, os acadêmicos André Singer, Marilena Chauí, Michel Löwy, Pablo Ortellado, Jean Tible e Giuseppe Cocco, o jornalista Leonardo Sakamoto, a cartunista Laerte Coutinho, os deputados federais Renato Simões, Cláudio Puty e Margarida Salomão, o deputado estadual Adriano Diogo, os militantes Milton Barbosa, membro do Movimento Negro Unificado, Samoury Mugabe, da Articulação Política da Juventude Negra, e Douglas Belchior, da UneAfro, e os movimentos MST e o MTST.