Diversidade

Lula na USP: ‘Antes do nosso governo, universidade era coisa de rico’

De volta à Cidade Universitária após quase 30 anos, Lula é ouvido por milhares de estudantes, em aula aberta com Fernando Haddad

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
Faculdade da USP lota para receber aula aberta que foi encerrada por Haddad e Lula. Antes deles, Marilena Chauí. Adriana Alves e Ermínia Maricato, entre outros, falaram sobre as eleições deste ano e o futuro do país

São Paulo – Quase três décadas depois, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou à Universidade de São Paulo (USP) nesta segunda-feira (15). Em discursos para milhares de estudantes, destacou as políticas de democratização do acesso ao ensino durante o seu governo. E prometeu fazer mais. “Antes do nosso governo, universidade era coisa de rico. Não tinha negro nessa universidade, não tinha gente da periferia. Hoje a gente percebe que mudou a cor dar universidades. Já mudou, e precisa mudar mais.”

O candidato afirmou que foi o presidente que mais visitou universidades na história da República. “Se passei 24 anos sem vir na USP, alguma coisa está estranha”, disse Lula, ao ressaltar a satisfação de estar de volta no que chamou de “berço” da inteligência do país.

O ex-presidente voltou a afirmar que não admite que os investimentos em educação sejam tratados como “gasto”. Segundo ele, aplicar recursos na ampliação das universidades significa investir no futuro do pais. “Daqui para frente, é a gente provar que a universidade brasileira não tem dono, não tem sexo e não tem cor. Ela é de todos”, frisou.

Ao lado das professoras Marilena Chaui, Ermínia Maricato e Adriana Alves e do ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad, Lula participou de aula pública no vão dos prédios de História e Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), na Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo. Na ocasião, também foi lançado o manifesto A democracia no Brasil corre risco, de autoria do Coletivo USP Pela Democracia – formado por professores, estudantes e servidores da universidade.

Programa de recuperação

Ainda impedido pela legislação de pedir votos, já que a campanha eleitoral começa a partir de amanhã, Lula ressaltou à plateia na USP a sua disposição de provar, outra vez, que a classe trabalhadora é capaz de reconstruir esse país. Ele disse que quando saiu do governo, em 2010, imaginava que hoje o Brasil estaria disputando com a Alemanha a quarta posição entre as maiores economias do planeta. Mas, desde 2016, “tudo piorou”.

Nesse sentido, Lula destacou a redução na qualidade do emprego e queda dos salários. Também ressaltou a perda do poder de compra do salário mínimo. Esse quadro, somado ao desemprego e à informalidade, fez ressurgir à fome no país.

“Se vocês estiverem dispostos, a gente vai recuperar esse país. Vamos acabar com a inflação. Não vai ter mais mulher na fila do osso, mas comprando carne para comer. Não vai ter mais família comendo carcaça, vai estar comendo frango. As pessoas não vão estar mais na rua pedindo esmola, com crianças dormindo na rua”, disse o líder petista. “Nós tínhamos acabado com isso”, ressaltou.

Lula conclamou os estudantes da USP a participar do primeiro grande comício em São Paulo, no próximo sábado (20), no Vale do Anhangabaú. Além disso, também desafiou o atual presidente Jair Bolsonaro para realizar um debate na universidade. “Ele não vai vir, porque ele não gosta de estudante. Porque o ministro da educação dele disse que universidade não precisa ser para todos, mas só para uma parte.

“Maior presidente da história da educação”

Haddad, candidato ao governo de São Paulo, fez um breve discurso antes de Lula. Ele destacou que Lula foi o presidente que mais abriu vagas em universidades públicas na história do país. Entre 2003 e 2010, o governo federal criou 14 universidades federais e 126 novos campi universitários.

Como ministro da Educação, Haddad disse que a coisa mais bonita era ver o “brilho nos olhos” das pessoas, em regiões remotas do país, a cada nova inauguração. “A gente levava com um carimbo da inclusão. Não simplesmente inaugurávamos um novo campus. A gente reservava 50% das vagas para egressos da escola pública, considerando a questão racial de cada unidade da federação”. Por conta dessas transformações, Haddad saudou Lula como “um dos maiores educadores da história desse país”.

Professor da USP, Haddad ressaltou o quanto a instituição “sempre foi elitista”. Mas ressaltou as mudanças ocorridas nos últimos anos. “Eu não tinha um colega negro, quando era estudante de Direito, no Largo do São Francisco. Hoje vejo até essa instituição se transformar, mais lentamente do que deveria, mas certamente seguindo o exemplo do governo federal, sob a batuta do presidente Lula.”

Refazer o Brasil

A professora Marilena Chauí ressaltou que será “preciso refazer o Brasil”. Ela “reinstitucionalizar” os poderes da República, reerguer a economia e refazer direitos sociais que foram solapados nos últimos anos. Para combater a máquina de desinformação bolsonarista, ela diz que a primeira tarefa é “conversar com as pessoas”. “Não são apenas os movimentos sociais, mas somos nós, como indivíduos, como grupos, aonde estivermos. Nossa voz tem que se espalhar pelo Brasil.”

Do mesmo modo, Ermínia Maricato ressaltou que, somando estudantes, professores e trabalhadores, a comunidade acadêmica da USP soma cerca de 112 mil pessoas, o que ela classificou de “exército do bem”. No entanto, ela afirmou que universidade pública “está devendo” maior engajamento na proposição de soluções para os problemas que afetam o povo brasileiro. Ela citou, por exemplo, que 85% das construções no país não tem a participação de um engenheiro ou um arquiteto. Numa escala mais ampla, sem planejamento, as cidades brasileiras são “predatórias”, social e ambientalmente, produzindo zonas de “insegurança”, “insalubridade” e “desconforto”.

Já a professora Adriana Alves, coordenadora da diretoria Mulheres, Relações Étnico-Raciais e Diversidades da USP, destacou o racismo como uma das principais “pedras” no caminho da democracia no Brasil. Ela citou que os negros são apenas 24% dos deputados e apenas 16% dos senadores. No Judiciário, são apenas 12% dos magistrados, enquanto os negros respondem por dois terços da população carcerária. Na própria USP, apenas 2% dos mais de 5 mil professores são negros. “Não nos peçam mais para silenciar. Não nos peçam mais para ter paciência. Para nós, é tudo urgente.”

Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert