Golpismo na mira

Semana pode ser decisiva em cerco a responsáveis por atos de 8 de janeiro. Bolsonaro inclusive

Na próxima quarta-feira. o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, deverá ler o requerimento de criação da CPMI dos Atos Antidemocráticos. “Com a CPI vamos pegar o restante. Nada vai ficar incólume depois dessa tentativa de golpe”, afirma Gleisi Hoffmann

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
"Inocentes" - Oposição tenta emplacar narrativa de que infiltrados de esquerda levaram o caos a Brasília

São Paulo – O cerco aos responsáveis pelos atos golpistas de 8 de janeiro pode começar a se fechar nesta semana. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), confirmou para quarta-feira (26) a leitura do requerimento de criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos Antidemocráticos. Ou CPMI do 8 de janeiro.

O pedido partiu da oposição, que tenta construir uma narrativa paralela para os atos de vandalismo em que culpam o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela tentativa de golpe contra si mesmo. Alegam que o novo governo tinha conhecimento dos atos e que não se preparou para evitá-los de propósito.

A narrativa de que infiltrados da esquerda eram os autores dos ataques já era disseminada no própria dia da invasão por deputados bolsonaristas. E com uma CPMI, eles esperam poder reunir elementos que comprovem a responsabilidade dos “verdadeiros vândalos”.

Já os governistas avaliam que o interesse da oposição é “abrir palanque” e atrapalhar o governo, travando pautas importantes. É o caso da votação da reforma tributária, contrária aos interesses da oposição. Mas desde a saída do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, na última quinta-feira (20), o governo passou a defender a investigação da CPMI do 8 de janeiro.

Segundo o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), as investigações vão chegar aos financiadores dos ataques. “Eu não vejo nenhum motivo para o governo ter medo dessa CPMI, até porque nós, a democracia, o governo, os Poderes fomos vítimas da agressão. Essa comissão vai investigar os financiadores, aqueles que realizaram a barbárie e eventualmente todos aqueles que participaram”, afirmou.

Manipulação e discurso golpista

O discurso golpista delirou com reportagem do canal de telejornalismo CNN Brasil na última quarta-feira (19). Nela foram usados recursos de edição para levar o expectador a entender que o ex-ministro da GSI de Lula, o general da reserva Gonçalves Dias, seria cúmplice do vandalismo. Isso apesar de que o próprio vídeo divulgado mostrava que o então ministro aparecia muito depois dos atos, já no final, pedindo a retirada dos vândalos – o que a reportagem não mostrou.

Outra manipulação da edição da reportagem da CNN foi esconder, nas imagens, o rosto do capitão do Exército José Eduardo Natale de Paula Pereira. O militar de camisa branca, que aparece circulando no Palácio do Planalto e que dá água a criminosos, era coordenador de segurança de instalações dos palácios presidenciais naquele 8 de janeiro. Um dos Bolsonaristas mais radicais e fieis a Bolsonaro, viajava com o então presidente e o vice, Hamilton Mourão (Republicanos).

Ontem (23), porém, foram divulgadas novas imagens do Palácio do Planalto, conforme determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Mostram, entre outras coisas, um dos vândalos forçando um dos caixas eletrônicos. O ministro, que investiga os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, determinou também que todas as horas de gravação do circuito interno do Palácio do Planalto, que somam mais de 160 horas, sejam remetidas ao STF.

CPMI será ruim para golpistas, diz Gleisi

“Resumo da ópera, imagens divulgadas pelo Fantástico mostram que CPI vai ser bem ruim pros golpistas. Melhor coisa foi abrir o sigilo desse material. Semana passada foram 100 denunciados, agora STF julga mais 200. Com a CPI vamos pegar o restante. Nada vai ficar incólume depois dessa tentativa de golpe. P.S: Os caras são tão idiotas que agora estão manipulando vídeos pra dizer que Lula presenciou a invasão, sendo que tem provas de que estava em Araraquara. A invenção dessa gente não para de pé”, afirmou a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, também comentou: “Bomba! Linha do tempo das imagens do 8 de janeiro mostram que Eduardo Natale, major bolsonarista do GSI, que estava como coordenador de segurança de instalações presidenciais, colaborou com os ataques”.

Anderson Torres e o projeto de golpe

Em meio a tudo isso, o quadro do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres teria piorado. Assim, seu depoimento à Polícia Federal, nesta segunda-feira (24), foi adiado. A nova data ainda não foi informada. Segundo seus advogados, o estado de saúde é delicado. Uma avaliação psiquiátrica constatou “piora significativa” em suas crises de ansiedade e depressão.

O colaborador de Bolsonaro tem muito a explicar. É o caso da minuta de decreto que a Polícia Federal encontrou em sua casa. A ideia era instituir o chamado estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na prática, uma intervenção sob pretexto de apurar supostos abuso de poder, suspeição e medidas ilegais. Tudo isso seria atribuído à presidência do tribunal durante o processo eleitoral. No caso, o ministro Alexandre de Moraes.

Torres também é investigado por ações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante as eleições, especialmente no Nordeste. O objetivo dessas intervenções nas estradas era atrasar a ida dos eleitores de Lula ao local de votação no segundo turno das eleições de 2022. A PRF é subordinada à pasta então chefiada por ele.

Bolsonaro tem de estar na CPMI, diz Rogério Carvalho

Nomeado secretário de Segurança do governo do Distrito Federal, portanto responsável por garantir a ordem na Praça dos Três Poderes, Torres viajou aos Estados Unidos antes dos ataques aos resultados das urnas, que apontaram a vitória de Lula sobre Bolsonaro. E teve de antecipar o seu retorno, sendo preso já no aeroporto de Brasília.

Segundo o senador Rogério Carvalho (PT-SE), Torres, “que era o homem forte de Bolsonaro, o guardião do golpe”, terá de ser ouvido pela CPMI. “Ele pode não ir em uma semana, ou em outra, mas não poderá fugir eternamente. Se ele não puder ir, a CPI poderá ir até ele. Ele não poderá fugir eternamente de dar o depoimento à polícia ou à CPI”, disse hoje o parlamentar.

Assim como Torres, Carvalho considera peças-chave o ex-presidente Jair Bolsonaro e também seu filho Carlos. “Há indícios de que ele se comunicou no dia 8. Vereador, Carlos Bolsonaro vai se quiser. Já Bolsonaro, não, não é mais presidente. Pode ser convocado sim para depor na CPI do 8 de janeiro”, disse.

Leia também