Manobra

Conselho de Ética é forçado a encerrar reunião sem apreciar relatório sobre Cunha

Estratégias como atrasos, boicotes e até o fechamento da sala atrapalharam sessão do órgão, que teve de suspender atividades para o início da ordem do dia da Câmara, programada pelo próprio presidente

Lula Marques/Fotos Públicas

Cunha e aliados manobram para impedir apreciação de relatório preliminar no Conselho de Ética

Brasília – Como muitos deputados temiam, a reunião do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, que analisa o processo contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sofreu atrasos, boicotes e foi encerrada porque o próprio Cunha deu início à ordem do dia – o que regimentalmente proíbe a realização de trabalhos em comissões e órgãos correlatos. Os integrantes do colegiado combinaram de voltar a se reunir assim que a ordem do dia acabar, mas o que se viu na manhã de hoje (19) foram manobras protelatórias, pedidos para cancelamento da reunião e discussões entre os parlamentares. A apreciação do relatório preliminar sobre Cunha, que é o item da pauta, não aconteceu e há poucas possibilidades de o documento vir a ser discutido.

As estratégias usadas pelos aliados de Cunha foram as mais diversas. Desde o fechamento da sala onde iria ser realizada a reunião, estranhamente trancada, como forma de evitar que o encontro acontecesse, até o atraso na chegada dos deputados que integram o Conselho. O quórum mínimo (11 deputados) permitido para o início dos trabalhos só foi atingido quase uma hora depois do horário marcado. Ao longo desse período, entraram em ação parlamentares diretamente vinculados ao presidente da Câmara.

André Moura (PSC-SE) pediu de forma insistente o cancelamento da sessão por não haver quórum. Depois que a sessão passou a atingir o quórum, foi a vez de Manoel Júnior (PMDB-PB) se manifestar. Para atrasar a apresentação do relatório, pediu a leitura da ata da reunião anterior. Em seguida, os parlamentares ligados ao presidente da Câmara entabularam uma questão de ordem para saber se o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que é integrante do colegiado, poderia participar da sessão, uma vez que ele assinou representação contra Cunha.

A suspeita foi considerada por muitos como infundada e mais uma maneira de atrapalhar o rito dos trabalhos, segundo assessores legislativos. Delgado foi impedido de disputar a relatoria do caso por ter concorrido com Cunha na eleição para a presidência da Câmara, em fevereiro passado, mas nada o impede de participar e ter voz no órgão.

‘Deliberações nulas’

Do plenário, Cunha foi questionado por colegas sobre a abertura da ordem do dia num momento em que o Conselho de Ética realizava uma reunião importante para a Câmara, quando tantas vezes ele tem deixado para abrir as sessões no final da tarde. Respondeu, ao seu estilo, que tem a prerrogativa de dar início às atividades da Casa e ressaltou: “Qualquer comissão que esteja funcionando está funcionando de forma irregular, portanto toda e qualquer deliberação ficará nula”. Foi um recado para os integrantes do Conselho de que estavam sendo obrigados a encerrar a reunião.

Antes de entrar no plenário, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (SD-SP), que integra o Conselho de Ética, mas ficou no gabinete ao lado de Cunha desde o início da manhã, afirmou que houve um erro grave do relator, o deputado Fausto Pinato (PRB-SP), ao antecipar o seu parecer sobre o caso. Segundo Paulinho, Pinato deveria garantir o direito de defesa ao presidente da Câmara. “Isso não aconteceu e esse erro poderá complicar a votação no Conselho, pois Cunha vai apresentar a sua defesa depois do parecer do relator que o condena”, reclamou.

A fala de Paulinho ocorreu logo depois da confirmação da notícia especulada durante o dia de ontem de que a defesa de Eduardo Cunha vai apresentar um pedido para substituição de Pinato da relatoria. Embora o relator tenha explicado desde segunda-feira que tomou sua decisão por entender que, em tese, a denúncia preenche todos os requisitos formais para ser investigada, como tipicidade e indícios suficientes, também é tida como certa a apresentação de um recurso, por parte dos advogados de Cunha, à Comissão de Constituição e Justiça.

‘PT de antigamente’

O objetivo é contestar os termos do relatório e pedir o cancelamento desse documento. O advogado Marcelo Nobre, um dos que atuam na defesa do presidente da Câmara, passou todo o tempo sentado na primeira fila da reunião do órgão acompanhando as discussões.

Uma outra crítica foi feita ao PT pelos deputados presentes à reunião. Eles reclamaram da ausência de vários parlamentares petistas com assento no conselho, o que levou a uma ironia feita pelo líder do Psol na Casa, Chico Alencar (RJ). “Eu gostaria muito que o PT, que vai participar dos trabalhos deste conselho, fosse o PT de antigamente”, afirmou.

José Carlos Araújo (PSD-BA) lembrou várias vezes que o presidente do conselho é ele e que não aceitará mais manobras que tentem protelar os trabalhos. O deputado suspendeu a reunião com ar contrariado e disse que o colegiado aguardasse seu chamado, porque pretendia dar continuidade à apreciação do relatório de Pinato ainda hoje.

Nos bastidores, o que se comenta é que a estratégia de Cunha é justamente ganhar tempo e levar a tramitação do processo para uma conclusão só em abril de 2016. Pelas contas de muitos deputados ligados ao presidente da Câmara, se o grupo trabalhar de forma bem articulada, o placar poderá vir a ser de dez votos a favor do relatório de Pinato e nove contrários.

Numa situação de empate, o voto de minerva será dado pelo presidente do órgão, José Carlos Araújo.