Crime e castigo

Advogada que fez declaração xenofóbica contra nordestinos é exonerada pela OAB

Defensoria de Minas abre ação civil contra advogada e contra indenização de R$ 100 mil por danos morais coletivos

Reprodução/Redes sociais
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Além de exonerada, Flávia também terá de responder por processos éticos-disciplinares abertos a pedido da OAB

São Paulo – A advogada Flávia Aparecida Rodrigues Moraes, que fez declarações xenofóbicas contra nordestinos e a região Nordeste após o primeiro turno das eleições presidenciais, foi exonerada do cargo de vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada. O desligamento, confirmado na noite de ontem (6), partiu da Ordem dos Advogados Brasil (OAB), seção de Uberlândia (MG). 

Na decisão, o presidente do órgão, José Eduardo Batista, classificou as falas de Flávia, veiculadas nas redes sociais, como “lamentáveis”. E declarou que a OAB Uberlândia não compactua com o fato “nem com as expressões usadas pela advogada”.

Flávia já havia pedido licença do posto depois de o vídeo circular nas redes sociais para, segundo a 13ª Subseção da OAB, dedicar-se pessoalmente ao assunto. Na publicação, a advogada aparece vestida com as cores verde e amarela, ao lado de mais duas mulheres não identificadas, fazendo um brinde enquanto declara que “não vai mais alimentar quem vive de migalhas”, se referindo aos nordestinos. 

Entenda a denúncia

“A todos aqueles brasileiros que a partir de hoje têm que ser muito inteligente. Nós geramos empregos, nós pagamos impostos e sabe o que que a gente faz? A gente gasta o nosso dinheiro lá no Nordeste. Não vamos fazer isso mais. Vamos gastar dinheiro com quem realmente precisa, com quem realmente merece. A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas. Vamos gastar o nosso dinheiro aqui no Sudeste, ou no Sul ou fora do país, inclusive porque fica muito mais barato. Um brinde a gente que deixa de ser palhaço a partir de hoje”, diz a advogada. 

Além de exonerada, Flávia também terá de responder por processos éticos-disciplinares abertos pelo Conselho de Ética e Disciplina e pelo Tribunal de Ética Regional a pedido da OAB Uberlândia. A determinação, segundo o órgão, atente às representações disciplinares protocoladas por advogados e autoridades do município mineiro e da região. “Apresentamos nossas sinceras desculpas ao povo nordestino e em especial à advocacia nordestina e advocacia brasileira pelas manifestações ofensivas da referida advogada, postadas nas redes sociais”, acrescenta a nota. 

A Defensoria Pública de Minas Gerais também ingressou com ação civil pública contra Flávia, no valor de R$ 100 mil, por danos morais. Segundo o defensor Evaldo Gonçalves da Cunha, em nota à imprensa, a indenização será destinada a entidades de combate ao preconceito, racismo e xenofobia. O órgão requere ainda que Flávia se retrate das declarações pelas vias adequadas. 

Xenofobia é crime 

No texto da ação, a Defensoria destaca que advogada teria explicitamente incitado a discriminação aos cidadãos nordestinos. O que pode configurar “crime de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. O processo destaca pena de reclusão para o crime de dois a cinco anos e multa por usar meio de comunicação social, a internet. 

“Em que pese o direito de liberdade de expressão ser constitucionalmente garantido, tal direito não é absoluto e deve ser exercido em observância à proteção à dignidade da pessoa humana”, ressalta a Defensoria. Em nota ao portal g1, por meio de uma assessora de imprensa, Flávia disse estar arrependida de sua declaração. Mas ponderou que “sua conduta, embora reprovável, não se encontra tipificada como crime em qualquer dispositivo legal vigente”. 

“Lamento pela repercussão desta infeliz colocação e me arrependo profundamente pelo ocorrido, desculpando-me com todas as pessoas de origem nordestina que tenham se sentido ofendidas, retratando-me completamente”, conclui em nota. 

Bolsonaro acirra ataques

As declarações preconceituosas da advogada, no entanto, não foram as únicas registradas após o primeiro turno no domingo (2) contra os eleitores nordestinos. Até esta quinta, a central da organização não-governamental de proteção dos Direitos Humanos Safernet Brasil recebeu 348 denúncias de xenofobia por dia. O que representa 14 ocorrências por hora. O número supera quase o total de reclamações registradas nos primeiros seis meses do ano passado (358). 

A onda de ataques criminosos foi impulsionada por eleitores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) do Sul e do Sudeste inconformados com o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos nove estados que compõem a região. O petista obteve 67% dos votos válidos no Nordeste. No entanto, um levantamento do UOLmostrou que as regiões onde Lula mais cresceu em relação a 2018 foram Sul e Sudeste. Embora tenha perdido nessas duas regiões, o petista ganhou 23 pontos a mais entre os sudestinos. E 17 pontos entre os sulistas. 

Apesar disso, o próprio presidente Bolsonaro acirrou os ataques ao tentar associar a vitória de Lula no Nordeste ao analfabetismo para justificar sua derrota em todos os estados da região. Ainda ontem, o candidato da coligação Brasil da Esperança rebateu a declaração preconceituosa, destacando que “quem tiver uma gota de sangue nordestino não pode votar nesse negacionista monstro que governa esse país. Ele tem que aprender uma lição. Ele que vá pegar os votos dos milicianos, daqueles que mataram Marielle”, afirmou Lula.