Justiça censura reportagens sobre compra de imóveis em dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro
“Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?”, criticou o ex-presidente Lula
Publicado 23/09/2022 - 16h36
São Paulo – Atendendo a ação movida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a Justiça de Brasília mandou retirar do ar duas reportagens do portal UOL sobre o uso de dinheiro vivo na compra de 51 imóveis, de um total de 107, que a família presidencial comprou nos últimos 30 anos – período que coincide com a entrada do presidente e pai de Flávio, Jair Bolsonaro, na vida política. O desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determinou a censura do conteúdo do portal e das redes sociais.
O filho 01 alega que as publicações usaram informações sigilosas de um inquérito que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou. A decisão no entanto, é liminar (provisória). Assim, caberá ao plenário do TJDFT confirmar ou derrubar a medida. O UOL afirma que já cumpriu a decisão e que vai recorrer.
À Folha de S.Paulo, a advogada do portal, Mônica Filgueiras Galvão, disse que “a decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos”.
A primeira reportagem, em 30 de agosto, mostrou o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro vivo. A segunda, em 9 de setembro, divulgou documentos oficiais e evidências que embasam a denúncia.
São escrituras e dados de quebras de sigilo obtidos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que comprovam que pelo menos metade do patrimônio imobiliário do clã Bolsonaro foi paga em dinheiro vivo. Os jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy assinam as matérias.
A forma de pagamento pouco convencional é típica de quem quer esconder transações ilícitas. Além disso, a própria evolução patrimonial da família também é incompatível com os ganhos que Bolsonaro e os filhos obtiveram como parlamentares nas últimas décadas.
Conhecereis a verdade?
“Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?”, criticou o candidato da coligação Brasil da Esperança à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelas redes sociais. Do mesmo modo, na semana passada, em passagem por Porto Alegre, Lula cobrou explicações do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Quero saber se ele vai explicar os imóveis – não o imóvel, mas os imóveis – com a quantidade (de dinheiro) paga à vista”.
Em outra ação de censura à informação pública e verdadeira, no início do mês a campanha de Bolsonaro entrou com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar tirar do ar cenas da propaganda eleitoral de Lula que abordam o escândalo imobiliário. “A investigação da imprensa revelou outro escândalo: 51 desses imóveis foram pagos em dinheiro vivo, no valor atualizado de R$ 25 milhões. De onde vem tanto dinheiro vivo da família Bolsonaro? É um escândalo tamanho família”, diz o vídeo de 30 segundos.
A defesa de Bolsonaro falou em “má-fé” e argumentou que a família usou “moeda corrente” nas negociações, o que não seria o mesmo que dinheiro em espécie. No entanto, essa argumento foi derrubado quando saiu a segunda reportagem do UOL, com documentos que comprovam a utilização de dinheiro vivo.
Ataque à imprensa
Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) classificou como “absurda” a decisão do desembargador. “É de interesse de toda a sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas envolvendo familiares do presidente – entre eles, três parlamentares. Em um contexto eleitoral, a liminar é ainda mais grave, pois impede o escrutínio público, cerceia o debate e impede o exercício livre da imprensa. A reportagem não faz ilações. As informações foram extraídas a partir da análise minuciosa de documentos coletados em cartórios durante sete meses, com mais de mil páginas lidas”. Nesse sentido, a entidade afirma que o ato de censura como um ataque a toda imprensa brasileira.
Também em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) classifica a decisão de censura como “inconstitucional”, ” como já deixaram claro inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). “O desembargador não apenas contrariou decisões do STF. Mais grave, ele partiu de falsas premissas, provavelmente induzido a erro pela defesa do senador”, afirma a entidade. Cita ainda que, apesar da anulação do inquérito contra o filho do presidente, “os ministros não discutiram a origem do dinheiro”. “Em nenhum momento, o senador Flávio Bolsonaro provou a licitude do dinheiro utilizado ou mesmo que os dados apresentados pelo Ministério Público estavam incorretos.”
Reação
Internautas também reagiram à decisão do desembargador que protege a família Bolsonaro. Em seguida à divulgação da sentença, os termos “DINHEIRO VIVO” e “Censura” acumulam centenas de milhares de menções, figurando nos trending topics (assuntos mais falados) do Twitter.
Foi, portanto, mais um “tiro no pé” do clã Bolsonaro, que garantiu novo destaque à suspeição de que a carreira política dos integrantes esteja envolta e corrupção e possíveis outros crimes. As postagens misturam críticas à censura com menções bem-humoradas.
Confira as principais publicações:
Flávio Bolsonaro entrou na justiça para tirar do ar as matérias sobre as compras de imóveis. A bolsofamília do dinheiro vivo não quer que ninguém saiba que eles compraram 51 IMÓVEIS COM DINHEIRO VIVO. Por favor, parem de espalhar q eles fazem compras suspeitas com dinheiro vivo.
— Alexandre Padilha (@padilhando) September 23, 2022
A campanha de Bolsonaro conseguiu uma censura judicial para evitar que o Brasil saiba que a família Bolsonaro comprou 51 imóveis com dinheiro vivo! Atenção: essa imagem está proibida de circular no Twitter, Whatsapp e todas as redes sociais! pic.twitter.com/A6lGwOryNJ
— Boulos 5️⃣0️⃣1️⃣0️⃣ (@GuilhermeBoulos) September 23, 2022
Flávio Bolsonaro emite um atestado de culpa para Jair a nove dias do primeiro turno ao pedir (e conseguir) na Justiça a censura de reportagens do UOL que revelaram a compra pelo clã Bolsonaro de 51 imóveis usando dinheiro vivo. Transparência? Ahã. https://t.co/ElLxjYcaNh
— Leonardo Sakamoto (@blogdosakamoto) September 23, 2022
Querendo ou não, Bolsonaro é nosso presidente. Então se ele não quer que a gente fale que ele comprou 51 imóveis com dinheiro vivo a gente deve respeitar e não falar que ele comprou 51 imóveis com dinheiro vivo, por mais que ele tenha comprado 51 imóveis com dinheiro vivo.
— Omar (@Omardeideais) September 23, 2022
URGENTE, juiz bolsonarista CENSURA UOL e manda retirar reportagens com provas de que Bolsonaro comprou 51 imóveis com dinheiro vivo.
— Thiago Brasil 🇧🇷 (@ThiagoResiste) September 23, 2022
A “liberdade de expressão” que defendem é só pra dar tiro em petista e ameaçar o STF.
Mostrar crime do Bolsonaro COM PROVAS não pode!
q lhe dizem respeito ligados a processos anuladas. E OLHEM QUE HÁ DIFERENÇA:
— Reinaldo Azevedo (@reinaldoazevedo) September 23, 2022
– MPF e Moro nunca apresentaram provas contra Lula. Moro ñ topou de novo meu desafio de dizer em quais páginas da sentença estão;
– já provas da compra de imóveis c/ dinheiro vivo estão nos cartórios