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Justiça censura reportagens sobre compra de imóveis em dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro

“Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?”, criticou o ex-presidente Lula

Reprodução/Redes Sociais
Reprodução/Redes Sociais
Censura atendeu a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL)

São Paulo – Atendendo a ação movida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a Justiça de Brasília mandou retirar do ar duas reportagens do portal UOL sobre o uso de dinheiro vivo na compra de 51 imóveis, de um total de 107, que a família presidencial comprou nos últimos 30 anos – período que coincide com a entrada do presidente e pai de Flávio, Jair Bolsonaro, na vida política. O desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determinou a censura do conteúdo do portal e das redes sociais.

O filho 01 alega que as publicações usaram informações sigilosas de um inquérito que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou. A decisão no entanto, é liminar (provisória). Assim, caberá ao plenário do TJDFT confirmar ou derrubar a medida. O UOL afirma que já cumpriu a decisão e que vai recorrer.

À Folha de S.Paulo, a advogada do portal, Mônica Filgueiras Galvão, disse que “a decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos”.

A primeira reportagem, em 30 de agosto, mostrou o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro vivo. A segunda, em 9 de setembro, divulgou documentos oficiais e evidências que embasam a denúncia.

São escrituras e dados de quebras de sigilo obtidos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que comprovam que pelo menos metade do patrimônio imobiliário do clã Bolsonaro foi paga em dinheiro vivo. Os jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy assinam as matérias.

A forma de pagamento pouco convencional é típica de quem quer esconder transações ilícitas. Além disso, a própria evolução patrimonial da família também é incompatível com os ganhos que Bolsonaro e os filhos obtiveram como parlamentares nas últimas décadas.

Conhecereis a verdade?

“Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?”, criticou o candidato da coligação Brasil da Esperança à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelas redes sociais. Do mesmo modo, na semana passada, em passagem por Porto Alegre, Lula cobrou explicações do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Quero saber se ele vai explicar os imóveis – não o imóvel, mas os imóveis – com a quantidade (de dinheiro) paga à vista”.

Em outra ação de censura à informação pública e verdadeira, no início do mês a campanha de Bolsonaro entrou com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar tirar do ar cenas da propaganda eleitoral de Lula que abordam o escândalo imobiliário. “A investigação da imprensa revelou outro escândalo: 51 desses imóveis foram pagos em dinheiro vivo, no valor atualizado de R$ 25 milhões. De onde vem tanto dinheiro vivo da família Bolsonaro? É um escândalo tamanho família”, diz o vídeo de 30 segundos.

A defesa de Bolsonaro falou em “má-fé” e argumentou que a família usou “moeda corrente” nas negociações, o que não seria o mesmo que dinheiro em espécie. No entanto, essa argumento foi derrubado quando saiu a segunda reportagem do UOL, com documentos que comprovam a utilização de dinheiro vivo.

Ataque à imprensa

Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) classificou como “absurda” a decisão do desembargador. “É de interesse de toda a sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas envolvendo familiares do presidente – entre eles, três parlamentares. Em um contexto eleitoral, a liminar é ainda mais grave, pois impede o escrutínio público, cerceia o debate e impede o exercício livre da imprensa. A reportagem não faz ilações. As informações foram extraídas a partir da análise minuciosa de documentos coletados em cartórios durante sete meses, com mais de mil páginas lidas”. Nesse sentido, a entidade afirma que o ato de censura como um ataque a toda imprensa brasileira.

Também em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) classifica a decisão de censura como “inconstitucional”, ” como já deixaram claro inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). “O desembargador não apenas contrariou decisões do STF. Mais grave, ele partiu de falsas premissas, provavelmente induzido a erro pela defesa do senador”, afirma a entidade. Cita ainda que, apesar da anulação do inquérito contra o filho do presidente, “os ministros não discutiram a origem do dinheiro”. “Em nenhum momento, o senador Flávio Bolsonaro provou a licitude do dinheiro utilizado ou mesmo que os dados apresentados pelo Ministério Público estavam incorretos.”

Reação

Internautas também reagiram à decisão do desembargador que protege a família Bolsonaro. Em seguida à divulgação da sentença, os termos “DINHEIRO VIVO” e “Censura” acumulam centenas de milhares de menções, figurando nos trending topics (assuntos mais falados) do Twitter.

Foi, portanto, mais um “tiro no pé” do clã Bolsonaro, que garantiu novo destaque à suspeição de que a carreira política dos integrantes esteja envolta e corrupção e possíveis outros crimes. As postagens misturam críticas à censura com menções bem-humoradas.

Confira as principais publicações: