Capitã cloroquina

Mayra Pinheiro vai bem no discurso, mas fatos e lealdade a Bolsonaro mostram negacionismo ‘raiz’

Secretária declarou ser a favor do isolamento social, do uso de máscaras e da vacinação em massa, mas mantém posições que contradizem sua retórica

Reprodução/Facebook
Reprodução/Facebook
Com indisfarçável arrogância, Mayra criticou a OMS dizendo que a entidade prestou um “desserviço” ao se colocar contra a cloroquina

São Paulo – Em seu depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (25), a médica Mayra Pinheiro demonstrou que se apresentou bem preparada por seus advogados para responder aos questionamentos, mostrando-se defensora da ciência e dos protocolos científicos recomendados para a prevenção e redução da disseminação do vírus, como isolamento social, uso de máscaras e vacinação em massa. A secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde também se posicionou contra a ideia de imunização de rebanho. Mas, apesar de bem orientada, fatos inegáveis e sua lealdade incondicional ao governo de Jair Bolsonaro a colocaram em situação difícil e desmentiram sua retórica a favor da ciência no caso da pandemia. Um efeito semelhante ao do depoimento do atual ministro da saúde, Marcelo Queiroga, no dia 6.

Entre os episódios da sessão de hoje da CPI da Covid, um áudio apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) mostra a pediatra falando sobre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em termos que não podem ser dissociados do chamado bolsonarismo “de raiz”. No áudio, a “capitã cloroquina” afirmava ser preciso “tirar da Fiocruz o poder de direcionar a saúde no Brasil (…) Tudo deles envolve LGBTI. Eles têm um pênis na porta da Fiocruz. Todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle Vive. Então é um órgão que tem um poder imenso, porque durante anos eles controlaram, através do movimento sanitarista, que foi todo construído pela esquerda, a saúde do país.”

“Constatação, senador”

(reprodução)

Ao ser questionada pelo parlamentar se ainda “pensa a mesma coisa” da Fiocruz, a aparentemente desconcertada secretária justificou: “esse áudio foi uma resposta a um colega, não foi agora enquanto estou secretária, e houve um vazamento”. Mas, apesar da saia justa, ela manteve a posição. “Nessa época isso era a constatação, senador, de fatos”, disse. Questionada mais uma vez por Randolfe se “em algum momento da história da Fiocruz teve um aparelho reprodutor masculino na porta”, ela respondeu que se referia a “um objeto inflável em comemoração a uma campanha na porta da entidade… Isso é uma constatação, senador”, repetiu.

Mayra referia-se à logomarca em comemoração aos 120 anos da instituição, cuja sede é conhecida pela altura de sua torre principal, que tem cúpula arredondada (confira imagem).

“Medicina baseada na ciência”

A secretária também foi confrontada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) sobre justificativas científicas para sua reiterada defesa de tratamento precoce e do uso de cloroquina e outros remédios contra a covid-19. O senador amazonense questionou Mayra sobre o fato de ela criticar a Organização Mundial da Saúde e instituições que discordem de sua posição, mas não ter nenhum trabalho científico sobre os medicamentos que o governo Bolsonaro defende para o que chama de “tratamento precoce’ de covid. “Eu usei cloroquina, mas para tratamento de malária”, disse Braga. “E eu sei dos efeitos colaterais da cloroquina, como alguém que usou.” O senador se disse assustado com o fato de os médicos “sem nenhum trabalho (científico) na área ficarem receitando de forma generalizada”.


CPI da Covid: Mayra Pinheiro afirma que ignorou órgãos técnicos e se contradiz sobre cloroquina

No entanto, a médica fez a defesa incondicional dos medicamentos. “Eu prescrevo, desde que me formei, ivermectina”, disse. “Os anti-inflamatórios cloroquina, hidroxicloroquina, usada na prescrição de quase todo médico para adultos e crianças… não é preciso ser um grande entendedor disso”, afirmou, de acordo com a “medicina baseada em ciência”.

“Desserviço”?

Com indisfarçável arrogância, Mayra criticou a Organização Mundial de Saúde (OMS), dizendo que a entidade prestou um “desserviço” ao se colocar contra a cloroquina e a ivermectina no combate à covid-19. “Ao invés de orientar que fossem feitos novos estudos, orientou sempre a interrupção dos estudos. Isso foi um desserviço, porque a ciência é feito (sic) de você obter melhores ou piores evidências.” Ela insistiu que a OMS prejudicou “uma medicação que pode trazer benefício”. No entanto, aparentemente a secretária ignora o fato de a instituição da ONU ter se posicionado sobre o tema quando também já havia informações bastante informação sobre o novo coronavírus.

Há exatamente um ano, em 25 de maio de 2020,  a ausência de eficácia e os efeitos colaterais verificados levaram a OMS a suspender a hidroxicloroquina em pesquisas que coordenava junto a cientistas de 100 países. Já em março de 2021, a organização concluiu que a droga não tem eficácia no tratamento da doença e pode ser prejudicial.


OMS suspende testes com hidroxicloroquina e cloroquina em pacientes com covid-19

Matéria de abril, da Folha de S. Paulo, reportou casos em que pessoas tratadas com cloroquina de forma nebulizada no Amazonas vieram a óbito.

Por sua vez, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) questionou Mayra Pinheiro dizendo que, se ela defende isolamento social, o uso de máscara, a vacinação em massa e é contra a ideia de imunidade de rebanho, já deveria ter pedido demissão de um governo cujo presidente, “de forma permanente, dá maus exemplos ao Brasil”, incentivando cotidianamente tudo o que a médica disse defender em seu depoimento na CPI da Covid.


Leia também


Últimas notícias