‘Somente quem não defende a guerra pode criar uma comissão de países para discutir o fim dela’
Lula diz que guerra na Ucrânia exige paciência de todas as nações interessadas em buscar a paz. “Mas é preciso convencer países que estão fornecendo armas, incentivando a guerra, a pararem”
Publicado 15/04/2023 - 10h00
São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ter conversado longamente com o presidente da China, Xi Jinping, sobre a guerra na Ucrânia. Segundo Lula, o foco de sua intervenção foi o mesmo que já usou em conversas com outros chefes de estado. Inclusive de países de alguma forma envolvidos no conflito entre Rússia e Ucrânia, que tem a expansão da Otan com as fronteiras russas como um dos panos de fundo.
Eu tenho uma tese, que eu já defendi com o Emmanuel Macron (França), com o Olaf Scholz (Alemanha), com o Joe Biden. E ontem discutimos longamente com o Xi Jinping: é preciso que se constitua um grupo de países dispostos a encontrar um jeito de fazer a paz. Ou seja, eu conversei isso com os europeus, conversei isso com os americanos e conversei ontem. Quem é que não está na guerra que pode ajudar a acabar com essa guerra? Somente quem não está defendendo a guerra é que pode criar uma comissão de países e discutir o fim dessa guerra.
O presidente brasileiro falou rapidamente com jornalistas ao deixar Pequim rumo aos Emirados Árabes, onde se reúne neste sábado com o presidente local. Lula defendeu que a situação em que se encontra a guerra na Ucrânia exige paciência de todas as nações que tenham interesse em buscar diálogo pela paz. “É preciso ter paciência para conversar com o presidente da Rússia e para conversar com o presidente da Ucrânia”, disse
Quem incentiva a guerra na Ucrânia
“Mas é preciso, sobretudo, convencer os países que estão fornecendo armas, incentivando a guerra, pararem. Porque eu acho que quando se começa uma briga é preciso saber como parar. E muitas vezes a gente não sabe como parar.”
Para o mandatário brasileiro, Rússia e Ucrânia chegaram a um ponto do conflito em que ambos estão com dificuldade de tomar decisões. “Se os dois países estão com problemas de tomar decisões, é preciso que terceiros países, que mantenham boas relações com os dois, criarem as condições de termos paz no mundo. Nós não precisamos de guerra.”
A China, segundo Lula, tem o papel mais importante na busca desses canais neutros de negociação pelo fim da guerra na Ucrânia. Afinal, ainda é a maior potência a acompanhar o conflito sem se envolver direta ou indiretamente nele. Mas ele alerta também para a importância dos Estados Unidos e da União Europeia.
“Ou seja, é preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz, para a gente poder convencer o Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo o mundo e que a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois.”
Desse modo, reafirmou que é preciso “encontrar no mundo” países dispostos a negociar. Por exemplo, além de Brasil e China, em outros encontros o brasileiro já citou México e Indonésia. O mais urgente, avalia Lula, e que a União Europeia e os Estados, além de Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, tenham “boa vontade pra gente poder voltar a ter paz no mundo”.
China e intercâmbios promissores
Na conversa com jornalistas, Lula fez um breve balanço da presença da delegação brasileira na China. “Olha, eu penso que uma coisa importante está acontecendo na relação Brasil-China. É que a gente tá ultrapassando aquela fase das commodities e a está entrando em outras necessidades”, disse. O presidente se refere ao fato de as exportações brasileiras se concentrarem essencialmente em matérias-primas, como minérios e grãos. Desse modo, comemorou também a possibilidade de parcerias e intercâmbios acadêmicos, culturais, tecnológicos.
“A gente está entrando na questão digital, nós temos muito a aprender com os chineses, a gente está entrando na questão da cultura. É preciso que a gente aprenda, e os chineses também, de que é necessário ter mais chineses nas universidades brasileiras e mais brasileiros nas universidades chinesas”, listou Lula.
Além disso, disse querer mais proximidade entre Brasil e China no processo de transição global para uma energia mais limpa. “É preciso que a gente discuta a questão da transição energética, porque o Brasil é um país que tem um potencial extraordinário de energia limpa em todos os aspectos. Assim, os chineses podem nos ajudar. E não apenas na construção da nova matriz energética, mas as empresas, deles participarem de associações com empresas brasileiras”, observou.
Expansão do 5G e acesso à internet
O presidente espera ainda apoios para a expansão do 5G e do acesso à internet. “Temos que ter o compromisso de tentar levar internet banda larga para todas as escolas públicas brasileiras, por todo o território. Nós vamos ter que construir parcerias com empresas chinesas para que isso possa acontecer. Eu saio satisfeito porque eu sinto e senti uma extrema vontade do presidente Xi Jinping e dos ministros dessa interação com o Brasil”, afirmou
Lula rebateu sinais de que os Estados Unidos teriam ficado incomodados com a aproximação Brasil-China, inclusive com seu questionamento sobre a hegemonia do dólar no comércio mundial. Ressaltou que a aproximação com a China não representa interesse de rompimento “com ninguém” e enfatizou a busca da soberania.
“Nós não precisamos romper e brigar com ninguém para que a gente melhore. O Brasil tem que procurar os seus interesses. O Brasil tem que ir atrás daquilo que necessita e de acordos possíveis com todos os países. Nós não temos escolhas políticas, escolhas ideológicas, mas temos escolha de interesse nacional. O interesse do povo brasileiro, o interesse da indústria nacional, o interesse da nossa soberania e, portanto, eu saio daqui satisfeito.
O presidente desembarcou em Abu Dhabi por volta de 7h da manhã deste sábado para encontro com o presidente dos Emirados Árabes, Mohammed bin Zayed Al Nahyan.
“Vamos ter que assinar um acordo importante de investimento no Brasil e no domingo à noite estaremos todos juntos no Brasil”, disse.
Assista à entrevista de Lula ao deixar a China
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