comércio exterior

Brasil tem US$ 335 bi de reservas e China, US$ 2 tri. Hegemonia do dólar não muda tão cedo, diz analista

“Se a China quisesse quebrar o dólar, era só sair do dólar. Mas seria um enorme tiro no pé. EUA sabem disso”, diz Giorgio Romano, da UFABC

Diego Baravelli/Minfra
Diego Baravelli/Minfra
Para professor da UFABC, a maior parte do comércio Brasil-China vai continuar a ser em dólar por muito tempo

São Paulo – Ao questionar a hegemonia do dólar em discurso em Xangai, na China, nesta quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu que as trocas comerciais entre países, no âmbito do Brics, sejam feitas com as moedas nacionais, como o real brasileiro e o chinês yuan. “Mas por que o banco do Brics não pode ter uma moeda que possa financiar a relação comercial entre Brasil e China, entre o Brasil e os outros países do Brics?”, disse.

Na opinião do professor de Relações Internacionais e Economia Giorgio Romano Schutte, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (Opeb), “o discurso de Lula não deve ser entendido como algo que vai ter resultado concreto de curto prazo. Lula entende a força do mercado.”

O analista explica que a realidade é muito mais complexa do que o desejo de se libertar da hegemonia do dólar. Ele lembra, por exemplo, que os bancos chineses emprestam dinheiro a 180 países no mundo, e isso majoritariamente em dólar. Do lado brasileiro, os empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) são em dólar.

Lula visita gigante Huawei, foco de ‘guerra tecnológica’ entre China e EUA

Paciência chinesa

“Isso não vai mudar. É extremamente complexo”, diz Giorgio. Na interpretação do professor, é por ter consciência dessa complexidade e por conhecer a força do mercado que Lula se dirigiu a Dilma Rousseff, no evento em que ela assumiu a presidência do Banco dos Brics, em Xangai, falando da “paciência chinesa”.

“Em economia a gente não pode ter pressa. Você está num país em que, se tem uma coisa que se cuida bem aqui, é paciência”, afirmou o presidente brasileiro. Para o professor, Lula quer dizer: “Isso vai demorar. Em algum momento futuro vamos superar a dependência do dólar”.

As reservas brasileiras, hoje em cerca de US$ 335 bilhões, têm 80% de sua aplicação na moeda americana. A China tem quase US$ 2 trilhões. “Se a China quisesse quebrar o dólar, era só sair do dólar. Mas seria um enorme tiro no pé. Os Estados Unidos sabem disso”, diz o analista. Por isso, avalia, Washington pode até se preocupar com a questão da Ucrânia, caso o Brasil adote medidas similares ao acordo do Irã em 2010, o tipo de coisa que sai do controle dos americanos. “Mas a questão da moeda não os preocupa de jeito nenhum.”

A maior parte do comércio Brasil-China “vai continuar a ser em dólar por muito tempo”, embora uma parte possa ser com trocas nas moedas dos dois países. “Uma coisa é o discurso político. Outra coisa são as reservas internacionais do Brasil, que têm 5% em renminbi (“moeda do povo” na China), podendo ir para 6%, 7%. Mas 80% é em dólar e não vai mudar. É uma estrutura montada ao longo de décadas”, explica Giorgio Romano.

Ele lembra que o general francês Charles De Gaulle (1890-1970) já denunciava o “privilégio exorbitante”, para se referir ao poder excessivo dos EUA decorrente da centralidade do dólar. E isso nos anos 1960.

Questões a se responder

Para Giorgio, há outras questões que precisam ser imediatamente respondidas a partir da visita oficial de Lula à China. Por exemplo, sobre a instalação da empresa de veículos elétricos BYD em Camaçari, na Bahia, na planta industrial abandonada pela Ford em 2021. Qual a política de eletrificação do Brasil na qual a BYD vai jogar um papel? A BYD é que vai fazer?

No processo do enorme desenvolvimento nas últimas décadas, os chineses tinham uma política de atrair multinacionais desde que transferissem tecnologia, além de trabalhar na China em joint ventures (regime de união e compartilhamento de ações por tempo limitado). “Precisamos aprender também como a China lidou com as multinacionais, para lidarmos com as multinacionais deles. Não é a China que vai montar a nova política industrial tecnológica brasileira, que ainda não sabemos qual será.”

Acordos

Sobre os acordos que os dois países possam assinar ou tenham assinado, como os contratos financeiros e comerciais em renminbi, ou yuan, Giorgio prefere aguardar. “Vamos ver se tudo isso vai ser operacionalizado. Já houve muitos acordos no passado que nunca saíram do papel.”

A respeito da repercussão mundial da viagem de Lula à China, para o pofessor da UFABC, a popularidade do líder brasileiro é visível. “Todo mundo está acompanhando a viagem de Lula. Dá Ibope. Lula é o cara certo, no momento certo, no lugar certo. Todo mundo quer sair na foto com ele, todo mundo quer fazer parceria com o Brasil.”