Em clima de celebração, Egito prepara transição que respeite vontade popular

Os militares do Egito prometeram respeitar a vontade do povo e os tratados internacionais (Foto: Dylan Martinez. Reuters) São Paulo – Centro dos protestos que sacudiram o Egito e levaram […]

Os militares do Egito prometeram respeitar a vontade do povo e os tratados internacionais (Foto: Dylan Martinez. Reuters)

São Paulo – Centro dos protestos que sacudiram o Egito e levaram à queda do ditador Hosni Mubarak, a Praça Tahir se transformou em ponto de celebração após o fim de 30 anos de regime autoritário.

Milhares de pessoas visitam o ponto central do Cairo para celebrar o fim da opressão, limpar a sujeira acumulada ao longo de 18 dias de manifestação e assegurar que o processo de transição possa ocorrer da maneira que deseja a população. “O país é nosso novamente. Pela primeira vez na minha vida, eu sinto que a rua é minha, e que junto com os meus conterrâneos, vamos colocar a nação de volta no caminho certo”, disse a engenheira Sayyed Dina, de 30 anos, à agência Reuters enquanto varria lixo da praça.

Uma das preocupações é garantir que o Conselho Militar que vai conduzir o país até as próximas eleições respeite a vontade de implementação de um Estado verdadeiramente democrático. Os comandantes das Forças Armadas apressaram-se em informar que um novo gabinete substituirá o atual em breve.  “A República Árabe do Egito está comprometida com todas as obrigações e tratados regionais e internacionais”, informou uma alta autoridade militar egípcia em pronunciamento na televisão estatal, numa tentativa de tranquilizar a comunidade internacional. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, elogiou a declaração, especialmente porque teme a ascensão ao poder de grupos que não sejam favoráveis a suas posições.

Além disso, foi anunciado que o ministro das Informações, Anas El-Fekky, próximo ao ex-ditador, foi colocado em prisão domiciliar. De acordo com uma rede de TV local, os ex-ministros estão proibidos de viajar, o que vislumbra a intenção de que possam ser julgados futuramente.

Os organizadores dos protestos que derrubaram Mubarak, por sua vez, estão formando um conselho para negociar todos os assuntos com os militares. “O propósito do Conselho de Curadores é manter o diálogo com o conselho militar e levar a revolução adiante através de uma fase de transição”, disse a jornalistas o acadêmico Khaled Abdel Qader Ouda. Na próxima sexta-feira (18), um ato vai celebrar o sucesso da revolução. 

“Nós não vamos sair, porque nós temos que garantir que esse país vai ser colocado no caminho certo”, pontuou o desempregado Ahmed Saber, de 27 anos, sobre o temor de que os militares não realizem a transição da maneira esperada. “Nós não vamos deixar as Forças Armadas pegarem carona no sucesso da nossa revolução.” Entre as exigências estão o fim do estado de emergência, a discussão de um novo texto constitucional e o agendamento de uma data para as eleições que deveriam ocorrer em setembro.

O embaixador do Brasil no Egito, Cesário Melantonio Neto, manifestou à Agência Brasil confiança de que o caminho até as eleições será conduzido com respeito à população. “O Exército prometeu uma transição democrática. Acredito que a mudança vá nesse sentido. Tenho essa convicção, neste momento, de um processo tranqüilo.”

Sucessão

Os nomes que se apresentarão à sucessão já são uma dúvida neste momento. Tantos anos de ditadura sufocaram a oposição, e não houve a ascensão de uma figura capaz de agregar diferentes correntes.  

A possibilidade imediata seria Mohammed ElBaradei, prêmio Nobel da Paz e um dos articuladores da resistência a Mubarak, que já havia se colocado à disposição para conduzir a transição. Há dúvidas, no entanto, sobre a real aceitação de um governo comandado por ElBaradei.

Entre os líderes com certa evidência no país estão Ayman Nour, que desafiou Mubarak nas eleições presidenciais mais recentes e mais tarde foi acusado de falsificação e condenado a três anos de prisão. Ele afirma que as acusações tiveram motivação política.

 O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, um ex-ministro das Relações Exteriores, muitas vezes ganhou o apoio público árabe por seus comentários francos. Moussa disse na sexta-feira que iria deixar a organização árabe, que dirige há cerca de 10 anos.

O grupo Irmandade Muçulmana, fortalecido pela queda de Mubarak, anunciou que não vai lançar nenhum nome para concorrer à Presidência. “Apoiamos os valores e a direção sólida que o conselho militar está assumindo no caminho para transferir o poder pacificamente para criar um governo civil em linha com a vontade do povo”, informou a organização em um comunicado em que ressalta não ser “perseguidora de poder.”

O professor de história da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em assuntos do Oriente Médio, Edgard Leite, pontua que tampouco seria possível imaginar como favorita a Irmandade Muçulmana, que não agrada aos Estados Unidos e a Israel. Ele considera que o papel dos militares é fundamental para assegurar a transição e a retomada do controle dos órgãos públicos do país. “Sem dúvida, há uma necessidade de mudança na política da região em função dos desafios da modernidade. O Egito vive essa instabilidade desde os anos 50. Diante dos novos modelos internacionais vigentes, há uma necessidade de mudança institucional.”