Após renúncia, mudanças no Egito dependem ainda mais de mobilização da oposição, diz analista

População tem razão de comemorar renúncia, que é feito relevante, diz analista (Foto: Dylan Martinez/Reuters) São Paulo – Após a renúncia do presidente do Egito, Hosni Mubarak, nesta sexta-feira (11), […]

População tem razão de comemorar renúncia, que é feito relevante, diz analista (Foto: Dylan Martinez/Reuters)

São Paulo – Após a renúncia do presidente do Egito, Hosni Mubarak, nesta sexta-feira (11), a possibilidade de mudanças políticas efetivas depende da capacidade de a oposição manter-se mobilizada. Segundo Márcio Scalércio, professor de relações internacionais da PUC-RJ e da Universidade Cândido Mendes, o fato de uma junta militar assumir o comando do país pode levar o Egito a um contexto de “mais do mesmo”.

Scalércio esclarece, em entrevista à Rede Brasil Atual, que o setor militar é a alma da sociedade egípcia, por estar presente em várias atividades, incluindo aspectos econômicos, como a distribuição de gás. Ainda mais em um contexto de crise e de baixa institucionalidade como a que vive o país, o professor considera previsível que as forças armadas assumam o comando.

Confira os principais trechos da entrevista.

Rede Brasil Atual – O fato de o Conselho Supremo Militar assumir o poder no Egito permite vislumbrar mudanças efetivas ou há risco de retrocesso?

Márcio Scalércio – Primeiro, é preciso entender que o movimento de massas do Egito deu um passo importante ao conseguir a saída do presidente Mubarak. É um resultado que não é desprezível. O desdobramento imediato é que, ao sair Mubarak, entra o Conselho Superior Militar. De certo modo, é “mais do mesmo”, já que, via de regra, desde 1952 são militares qeu comandam o Egito. Primeiro, foi (Gamal Abdel) Nasser, depois (Anwar Al) Sadat e (Hosni) Mubarak. Agora, é o Conselho Supremo.

Sendo que os militares comandam o processo de transição, os grupos de oposição vão ter de manter a capacidade de mobilização popular. Essa continuidade por muito tempo é complicada, porque as pessoas têm de voltar a vida ao normal, retornar ao trabalho. E a combalida economia do Egito sofreu bastante nessas três semanas de protestos.

Rede Brasil Atual – Os relatos da praça Tahir, o centro dos protestos no Cairo, dão conta que a população está em festa, comemorando muito. Ainda que seja compreensível, isso pode ser uma dificuldade para a oposição?

Márcio Scalércio – A saída de Mubarak é motivo para comemoração, eles têm razão de comemorar. A questão é que tipo de fórum de debate vai ser estabelecido para o diálogo entre quem controla o governo e as forças que derrubaram Mubarak. Qual é o calendário da transição? Havia uma eleição fajuta convocada para setembro, mas um calendário precisa ser estabelecido. Há ainda uma série de medidas que precisam ser estabelecidas, como a suspensão do estado de emergência em que vive o Egito há décadas, a garantia de direitos civis e a liberdade de imprensa. É preciso também assegurar que a Irmandade Muçulmana esteja dentro do processo político.

Rede Brasil Atual – Algumas lideranças da oposição recusaram-se a participar da negociação com o governo antes da renúncia. Como Mubarak era militar, isso muda ou o Exército também tem imagem desgastada?

Márcio Scalércio – As forças armadas gozam, no Egito, de uma reputação melhor do que a do governo. Porém, o sistema em que é organizada a sociedade egípcia concede – e deve continuar a conceder – privilégios a esse setor, especialmente para o oficialato. É preciso entender que, especialmente em países que têm um conjunto significativo de membros das forças armadas em relação à população, ocorre um festival de maracutais. No Egito não é diferente. Os generais e coronéis não são todos de mãos limpas. Os militares estão presentes em muitas atividades do país, até mesmo na distribuição de gás, por exemplo.

Rede Brasil Atual – O papel das forças armadas durante os protestos contribui para ampliar o prestígio?

Márcio Scalércio – O movimento foi vitorioso porque os militares ficaram olhando e filmando apenas as manifestações. Alguns, especialmente os oficiais de média e baixa patentes, chegaram a participar dos protestos. Em um país com baixa institucionalidade como é o Egito atualmente, não me admira que seja esse grupo que comande a transição. Desde 1952 a alma do governo eram as forças armadas.