Chilenos aguardam implementação da convenção 169 da OIT

Além de convenção que trata dos direitos indígenas, povos originários esperam decisão da CIDH sobre a mina de Pascua Lama

Mapuches e organizações sociais protestam contra a morte de jovem indígena (Foto: El Ciudadano)

Os ambientalistas do Chile aguardam com ansiedade a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a questão de Pascua Lama, a mina binacional de propriedade da Barrick Gold que tira o sono de indígenas. O projeto, por si só, já preocupa por exigir uma grande quantidade de água em uma região de glaciares que deveriam ser preservados.

Nancy Yáñez Fuenzalida, co-diretora do Observatório Cidadão, responsável pela ação, afirma à Rede Brasil Atual que a esperança de conseguir paralisar o bilionário projeto é grande.

Na entrevista concedida por telefone, ela fala sobre o projeto de elaborar uma nova constituição chilena de modo a eliminar a repressão sobre setores dissidentes da sociedade. Em agosto, um jovem mapuche foi morto por um carabinero (policial chileno) durante um protesto.

Pelos mesmos dias, o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da ONU, em Genebra, criticou o governo chileno por aplicar a lei antiterrorista contra os mapuche e pediu que a norma seja imediatamente revista.

Neste mês, além de Pascua Lama, as expectativas dos povos chilenos recaem sobre a implantação da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que tenta acabar com a discriminação contra povos indígenas.

Confira a seguir trechos da entrevista concedida por Nancy Yáñez à reportagem.

RBA – Comecemos pela morte de Jaime Facundo Mendoza Collío. É um fato novo, mas a morte de um mapuche nunca é algo novo.

Também não é algo novo neste território. É um lugar que corresponde à comunidade Requem Pillan de Ercilla, que reivindica o antigo território de Pillan. Nessa mesma zona ocorreu há alguns anos a morte de outro jovem. Durante a década de 60, na reforma agrária, morreu outro jovem, também da família Collío. Todos envolvidos na reivindicação pelo antigo território.

Mostra que a erradicação dos povos mapuche efetuada pelo Estado chileno neste território não levou em conta a distribuição original das comunidades, mas apenas as reduziu a um pequeno território. Por outro lado, a antiga terra do cacique constituiu a propriedade privada, que é a reclamada hoje em dia pelas comunidades.

A situação de demanda territorial das comunidades foi satisfeita apenas parcialmente pelo Estado do Chile. Longe de responder às demandas, o que se fez foi outorgar aos donos desses lugares proteção policial – e não destinado a evitar focos de confronto.

São policiais dotados de arma de grosso calibre que reprimem as manifestações indígenas. Há uma ocupação militar dos territórios mapuche e que, cada vez que ocorre algo, não são ações dissuasivas, mas armas de fogo que terminam na morte de pessoas, todas atingidas pelas costas, ou seja, não se pode pensar em um ato de defesa.

Que avanços foram obtidos em Genebra?

Basicamente o que faz o comitê (para Eliminação da Discriminação Racial da ONU) é interpelar o Estado de Chile a respeito das situações de abusos policiais na questão dos mapuche. E especificamente a ministra de Planificação, Paula Quintana, foi interpelada pela falta de resposta por parte do Estado chileno à questão da demanda territorial mapuche. E o envio à Justiça Militar desses atos de repressão mapuche que, em geral, terminam com a absolvição dos infratores.

Tenho a impressão de que essas interpelações de alguma maneira geraram um impacto nas autoridades do governo. Devem iniciar um processo de diálogo. Espero que as respostas se traduzam em desmilitarizar os territórios mapuche. A política do governo para os povos indígenas fracassou em resolver a situação da demanda territorial mapuche.

O que se deve fazer é pôr em marcha a desapropriação de terras, que está contemplada na Constituição, e que permite pagar ao titular da terra uma compensação justa de acordo com os preços reais, e não especulando sobre o conflito jurídico que se gerou.

Em outubro teremos em Santiago um seminário sobre os desafios de implementar a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. De que maneira tal implementação pode ter efeitos para os povos indígenas?

Esperamos que as mudanças se realizem desde setembro, quando o Chile começa a implementar a convenção. O Tribunal Constitucional definiu que as normas deste convênio não são autoexecutáveis e, portanto, exigem reformas legais sobretudo na legislação que envolve a disposição de recursos naturais dentro de territórios indígenas.

E que no Chile foram colocados no mercado de bens e serviços pelo código de água, de mineração, a lei de pesca, a lei sobre concessões elétricas e outras que permitem outorgar concessões a esses recursos e, portanto, violam direitos dos povos indígenas.

Por outro lado, são autoexecutáveis as normas do convênio 169 que se referem à participação e à consulta. Obrigam as empresas extrativistas de recursos naturais a estabelecerem esse procedimento de consulta. A verdade é que isso é de extrema relevância, posto que a grande problemática hoje em dia no Chile sobre a questão dos territórios indígenas tem uma dupla dimensão.

Por uma parte, tem a ver com a dívida histórica de terras ancestrais dos direitos indígenas. O Estado não gerou mecanismos para a devolução de terras. Em outro aspecto, pelo modelo econômico vigente no Chile, as terras que se encontram sob controle indígena estão em risco precisamente por este método de exploração. E isso de consultar os povos indígenas vai ser relevante.

Em relação a Pascua Lama, em que se depositam as esperanças de vocês neste momento?

Apresentamos em maio à Corte Interamericana de Direitos Humanos uma medida cautelar pedindo a suspensão da execução do projeto enquanto não se resolva a denúncia pendente feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Uma decisão recente muito parecida nos dá esperança porque a medida envolvendo povos indígenas do Panamá foi aceita pela comissão em 17 de junho – sobre a construção de uma hidrelétrica de capital dos Estados Unidos. Então não vemos razões para que a comissão negue a medida cautelar cujo fundamento é exatamente a paralisação enquanto não se decida sobre a denúncia.

No Chile, a influência da indústria mineira é algo que se conhece muito bem.

Sem lugar a dúvidas, o Chile é claramente um país com vocação mineira e essa atividade tem influência direta sobre o Produto Interno Bruto. Mas é igualmente certo que o modelo chileno hoje em dia é insustentável. O Chile gera atividade usando as poucas reservas de água doce que tem no altiplano, o que significa secar todos os rios de norte a sul se considerarmos apenas as zonas mais fortes de mineração.

Agora, as projeções mineiras no Chile são de dobrar a atividade nos próximos anos, o que sem dúvida supõe uma pressão sobre os ecossistemas, especialmente água e energia. É algo que já estamos vendo: todos os aquíferos andinos nos quais se faz extração mineira estão em sérios riscos de sustentabilidade, alguns deles em clara situação de colapso.

As isenções tributárias que as empresas de mineração têm no Chile não são vistas em nenhum lugar do mundo. As faltas de regulações nesse âmbito são brutais. Vemos que o royaltie mineiro no Chile é o mais baixo do mundo.

Este ano temos as eleições. A vitória do deputado Marco Enríquez Ominami, dissidente do governismo, seria melhor que as de Eduardo Frei ou de Sebastián Piñera?

A verdade é que o discurso de Ominami foi errático a respeito. No começo de sua candidatura usou um discurso sobre a privatização de Codelco. A verdade é que não é muito clara a orientação que ele vai seguir. Entendo que certos setores ambientalistas se apegaram à candidatura de Ominami entendendo que vai haver mais espaço para discussões do setor.

Nós do Observatório Cidadão temos pretensões que não foram contempladas por nenhum dos candidatos. Em nenhum deles se observam mudanças estruturais de fundo a respeito do país. Por agora, nos somamos a estratégias cidadãs que defendem a convocação de uma assembleia constituinte destinada fundamentalmente a redefinir as bases institucionais, que é onde está estabelecido este sistema político que debilitou a economia chilena. Essa Constituição é a que estabelece a falta de mecanismos participativos para os cidadãos, que fundamenta os sistemas repressivos contra os dissidentes.