Douglas Belchior explica protestos na NBA: ‘Letramento racial forma posicionamento político’
Jogadores da maior liga de basquete do mundo se mobilizam pela luta antirracista e contra a violência policial
Publicado 01/09/2020 - 11h53
São Paulo – Protestos contra o racismo e incentivos ao voto nas eleições presidenciais de novembro pautaram os jogos dos playoffs da NBA, principal liga mundial de basquete masculino. Após o boicote promovido pelos atletas contra a violência policial, que paralisou o torneio por dois dias, eles ampliaram o discurso político nas partidas.
O educador Douglas Belchior, cofundador da Uneafro, uma das 150 entidades que compõem a Coalizão Negra por Direitos, explica que os Estados Unidos estão avançado no debate sobre o racismo e por isso a discussão é levada para dentro das quadras.
“Ter um letramento racial faz com que qualquer negro norte-americano jamais vote no (Donald) Trump ou apoie os republicanos. O letramento racial forma o posicionamento político, enquanto aqui, nós não temos isso”, disse, em entrevista a Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual.
Letramento racial é um conceito, como destaca a socióloga Neide Almeida, “que convoca à reflexão e exige posicionamento teórico e prático” em artigo publicado no Geledés. “Como nos diz a psicóloga e pesquisadora Lia Vainer Schuman, o letramento racial está relacionado principalmente com a necessidade de desconstruir formas de pensar e agir que foram naturalizadas”, diz.
“O racismo é a ideologia de manutenção de poder. É um instrumento ideológico para manutenção de determinados grupos que hegemonizaram o poder na América, durante a diáspora. Quando brancos falam de medo, é sobre perder privilégios”, explica Douglas.
O ativista acrescenta ainda que a falta desse debate no Brasil fez muitos atletas negros brasileiros fazerem campanha para o atual presidente da República. “Nos EUA, o debate racial informa o debate político”, acrescentou.
Posicionamento no Brasil
No último domingo (30), o Grêmio foi campeão do Campeonato Gaúcho. Entretanto, umas das cenas que marcaram a comemoração foi a camiseta utilizada pelo lateral Bruno Cortez, com a frase “vidas negras importam”, lema contra o racismo.
O jornalista Juca Kfouri afirma que o ato é um marco no futebol brasileiro. “Começará a frutificar. No mesmo dia, o Gabigol (jogador do Flamengo) já fez o gesto do Pantera Negra, é outra forma de empoderamento. As coisas começam a acontecer”, afirmou.
Douglas Belchior explica ainda que a desigualdade entre Brasil e Estados Unidos no debate racial está situada dentro de um contexto histórico. “Essa diferença do ponto de vista do opressor e da sensibilidade com o tema explica como o racismo funciona no Brasil e lá fora. A cobertura da mídia brasileira criminaliza movimentos sociais e a reação à violência racial. Mas nós estamos entrando em outro momento da nossa história. O engajamento entre os esportistas, intelectuais e artistas é maior do que havia quatro anos atrás”, defendeu.
Por outro lado, Juca diz que o futebol brasileiro precisa de um debate estrutural que coloque pessoas negras em posições de mais destaque. “Os jogadores brasileiros que, um dia, o mundo elegeu como número um são: Didi, Garrincha, Pelé, Romário, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. Sete de oito são negros. O único branco é o Kaká. Acrescente ainda a figura da Marta, também negra. Agora pergunte quantos técnicos e ou presidente de clubes são negros, na primeira divisão. Treinador negro na seleção nunca houve”, lamentou.