No "Entre Vistas", da TVT

Neca Setúbal: ‘A educação sozinha não vai nos fazer transpor as enormes desigualdades do Brasil’

O jornalista Juca Kfouri conversou com a socióloga, que refletiu sobre as prioridades de um país marcado pela volta da fome e com o desafio de garantir o direito à educação

Reprodução
Reprodução
Integrante do grupo de trabalho da Educação na transição, Neca Setúbal também compartilhou experiências e apontou suas expectativas sobre o governo Lula, apoiado por ela no segundo turno

São Paulo – O que a fome tem a ver com a educação? Para a socióloga e doutora em Psicologia da Educação, Neca Setúbal, acabar com a insegurança alimentar grave, na qual se encontram pelo menos 33 milhões de brasileiros, desde o ano passado, deve ser uma prioridade de qualquer governo, inclusive para garantir o avanço educacional do Brasil. Presidenta do conselho consultivo da Fundação Tide Setúbal, uma Organização Não-Governamental (ONG) que oferece cursos e projetos culturais sediada em São Miguel Paulista, no extremo leste da cidade de São Paulo, Neca foi a convidada de ontem (16) do programa Entre Vistas, da TVT, apresentado pelo jornalista Juca Kfouri. 

Embora reconhecida pela defesa da educação, ela destacou que “não é dessas pessoas que acham que apenas a educação brasileira vai resolver todos os nossos problemas”. Neca havia sido provocada pelo jornalista sobre a possibilidade de educar alguém em situação de grave insegurança alimentar. Em resposta, a especialista observou que uma criança, adolescente ou jovem “não conseguirá estar presente numa relação com o outro, com o conhecimento, se ele está sentido uma coisa física tão entranhada que é a fome”. 

A prioridade ao combate à fome, por sua vez, não deve ser desassociada de avanços na educação, conforme também ponderou. “A educação sozinha não vai nos fazer transpor essas nossas enormes desigualdades, nos transpor para um país que consiga oferecer uma vida digna para toda a sua população. Não será só com ela, mas ela é também um fator essencial nesse debate e nas políticas a serem implementadas”, justificou. 

MEC e trabalhadores começam a debater a reconstrução da educação no país

Atuação política

Com trajetória marcante na área educacional do país, desde 2014 Neca ganhou destaque também na atuação política. Na época, ela foi uma das principais apoiadoras da agora ministra do Meio Ambiente Marina Silva, então candidata à Presidência da República. Ela foi uma das coordenadoras do plano de governo de Marina. E, assim como a própria candidata, também foi alvo de ataques de setores da esquerda, especialmente alguns abrigados no PT. “Desproporcional e injusto”, disse à época. 

Apesar dos percalços, a educadora lembrou da experiência como algo “muito rico” do ponto de vista pessoal. As divergências também foram superadas. “Me trouxe um olhar da política”, descreveu Neca a Juca Kfouri. Em 2022, assim como Marina, a socióloga declarou apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições contra Jair Bolsonaro (PL), que buscava a reeleição. 

A escolha, de acordo com ela, se deu em defesa da democracia brasileira. “Eu acredito nela como um valor fundamental. E não é qualquer democracia. Mas uma democracia que traga esse olhar de combate às desigualdades, de equidade racial e de uma vida digna para todos”, explicou Neca. No final do ano passado, a socióloga foi um dos nomes convidados para atuar no grupo de trabalho da Educação durante o governo de transição. 

‘Bolsonaro preferiu mentir no cercadinho do que governar’, diz Lula ao receber relatório final da transição

Experiência na transição

Ela deu detalhes sobre essa passagem que, em seu entendimento, foi o primeiro passo para a retomada da participação social na política institucional sob o novo governo Lula. Neca lembrou que, ao longo do período Bolsonaro, a sociedade civil, organizações sociais, sindicais e populares deixaram de ser ouvidas. 

“O principal objetivo do grupo (de transição) era mostrar os pontos cruciais, que precisavam de intervenção. Onde tinha que mudar com leis emergenciais para os primeiros 100 dias. Então foi um momento muito rico e importante para a sociedade começar a retomar e olhar o Brasil para o futuro”, disse Neca Setúbal.

“A gente passou quatro anos na resistência, sem conseguir pensar novas políticas. Porque o que sempre me incomodou muito (no governo Bolsonaro), era como a gente, enquanto sociedade civil e o Brasil democrático, estávamos reféns de uma agenda que não conseguíamos avançar. E a transição foi esse primeiro momento de escuta, de poder ouvir todo mundo, grupos diferentes, ideias diferentes. E a gente começar de novo a pensar um país para frente”, completou. 

Confira a entrevista de Neca Setúbal ao Entre Vistas