Uma noite em 72

Nara Leão vetada, som cortado, jurado surrado. Terminou assim a ‘Era dos Festivais’

Vigiado de perto pela ditadura, FIC de 1972 revelou gente como Alceu Valença, Raul Seixas e Sérgio Sampaio. Relembre algumas canções

Reprodução/Montagem RBA
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Maria Alcina, Walter Franco e Sérgio Sampaio: além da animação, festival promovido pela Globo em 1972 foi rico em polêmicas

São Paulo – O sétimo Festival Internacional da Canção Popular (FIC), exibido pela TV Globo, ficou conhecido como o último da chamada Era dos Festivais. Um período de turbulência política e explosão criativa, com o surgimento de uma geração de artistas que enfrentou as proibições impostas pela ditadura, com o AI-5 em vigor e a repressão ainda mais violenta. E o festival de setembro de 1972 foi um bom exemplo disso.

A começar do imbróglio do júri. Depois de aceitar a presidência, a cantora Nara Leão foi excluída do posto por pressão do governo, que teria ficado incomodado com declarações da artista contra a ditadura, os militares na política e a situação brasileira. Na sequência, todos os jurados foram substituídos. Um deles, o psicanalista e escritor Roberto Freire, conseguiu subir ao palco para ler manifesto elaborado com o objetivo de protestar contra a medida. Mal começou, Freire foi agarrado por seguranças, levado para trás do palco e espancado ali mesmo. Foi parar no hospital.

Nova geração

Até a pacífica Alaíde Costa sofreu com as ações da ditadura. Ela simplesmente teve o microfone cortado. Alguém achou que a cantora poderia ler algum manifesto subversivo. Assim, Alaíde não conseguiu apresentar Serearei, de Hermeto Pascoal – que tentou entrar com porcos no Maracanãzinho. Os animais, que fariam parte dos arranjos na apresentação, foram apreendidos pela polícia.

Em meio a esse clima, além de figuras mais conhecidas, como os grupos Mutantes e Originais do Samba, o FIC mostrou uma safra de novos compositores. Os cearenses Ednardo e Belchior, por exemplo, estavam inscritos com a musica Bip Bip, que não passou da fase eliminatória. O pernambucano Alceu Valença, desde 1970 no Rio de Janeiro, ainda não havia lançado LP, mas participou com Papagaio do Futuro, ao lado de Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro. O santista Renato Teixeira, que poucos anos depois explodiria com sua Romaria, na voz de Elis Regina, foi outro músico a se apresentar, com Marinheiro.

Futuros clássicos da MPB

O festival teve ainda futuros clássicos, como Let me Sing, Let me Sing, do baiano Raul Seixas. E a sempre lembrada Eu quero botar meu bloco na rua, do compositor capixaba Sérgio Sampaio, que morreu em 1994, com apenas 47 anos. A composição escapou da censura, mas não foi para a final. Segundo escreveu o pesquisador Zuza Homem de Mello em seu livro sobre os festivais, na fase nacional o júri se dividia, basicamente, entre duas canções: Fio Maravilha, de Jorge Ben (hoje Benjor), interpretada por Maria Alcina, e a experimental Cabeça, de Walter Franco, cuja morte completará dois anos no dia 24.

Além de Fio Maravilha, passou para a fase internacional Diálogo, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, apresentada pelo próprio violonista, Tobias e Cláudia Regina. Mas a vencedora, da qual pouca gente deve se lembrar, foi Nobody Calls Me a Prophet, com o cantor norte-americano David Clayton Thomas (do grupo Blood, Sweat and Teers). Os festivais voltariam entre meados dos anos 1970 e 1980, em outro formato, com bons momentos, mas sem o mesmo impacto criativo.


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