Do lado errado

Cimi exige retirada de senadores pró-garimpo da comissão que acompanha o povo Yanomami

Entre os cinco titulares do colegiado estão Chico Rodrigues (PSB), Mecias de Jesus (Republicanos) e Doutor Hiran (PP), todos de Roraima e defensores do garimpo na Terra Indígena Yanomami. Presença é “escárnio”, diz conselho

PR/Divulgação
PR/Divulgação
Senador Mecias de Jesus (à esq. na foto), e Dr. Hiran Gonçalves (na ponta à direita) são conhecidos bolsonaristas defensores do garimpo em terras indígenas

São Paulo – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) cobrou, ontem (23), a recomposição da comissão externa criada pelo Senado no último dia 15, para acompanhar a situação do povo Yanomami. Em nota, a entidade repudiou a presença dos senadores de Roraim Chico Rodrigues (PSB), Hiran Gonçalves (PP) e Mecias de Jesus (Republicanos) no colegiado criado para fiscalizar a saída dos garimpeiros da reserva indígena naquele estado.

Para o Cimi, os três parlamentares “deslegitimam e desvirtuam” a missão da comissão “devido ao envolvimento explícito deles na defesa do garimpo dentro da TI Yanomami”. Uma “atividade criminosa cujas consequências e impactos ficaram evidentes para toda a sociedade brasileira”, afirma a entidade.

Atualmente, a maior reserva indígena do país atravessa também a maior tragédia humanitária deste século no Brasil. Crianças, adultos e idosos enfrentam condições dramáticas de saúde, vitimados por doenças como malária, pneumonia, desnutrição e contaminação por mercúrio. O drama, de acordo com diversas organizações indígenas e especialistas, é uma consequência direta do descaso do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), e da cobiça dos invasores por metais e pedras preciosas na região. 

Chico Rodrigues viajou ilegalmente à TI Yanomami, dias depois de assumir a presidência de comissão para apurar responsabilidades do garimpo sobre tragédia humanitária contra indígenas (Foto: Ag. Senado)

Presidente pró-garimpo

O conselho, no documento, destaca que os senadores de Roraima precisam ser substituídos para “evitar que um mecanismo importante seja instrumentalizado a serviço de interesses contrários à sua própria missão”. Sem uma recomposição, segundo o Cimi, isso “contribuiria ao descrédito sobre estas diligências”, adverte. A oposição aos nomes dos três parlamentares também vem sendo cobrada por dezenas de organizações indígenas desde a semana passada. 

Na ocasião, conforme reportou a RBA, o senador Chico Rodrigues, de comprovado histórico bolsonarista, foi eleito presidente da comissão com um discurso dúbio de “igualdade de tratamento” para indígenas e garimpeiros. O parlamentar chegou a defender um cadastro dos invasores em programas sociais para “mitigar o sofrimento que vão ter naturalmente quando saírem daquelas áreas”. Chico Rodrigues, porém, tornou-se conhecido ainda em 2020, quando foi flagrado pela Polícia Federal (PF) com R$ 33 mil escondidos na cueca e uma suposta pepita de ouro. 

A operação tinha como objetivo investigar desvios de recursos públicos destinados ao combate à pandemia de covid-19. Na época, ele era vice-líder do governo Bolsonaro no Senado. O senador também foi flagrado em um garimpo, dentro da TI Raposa Serra do Sol, em um vídeo gravado e divulgado por ele próprio em suas redes sociais. Chico Rodrigues também é acusado de ser dono de aeronaves que atuavam a serviço do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. 

Investigado pelo MPF

Na avaliação do Cimi, a “ausência de moralidade deste parlamentar já o torna incompatível com a dignidade que deve acompanhar o cargo de Senador da República”. A entidade destaca ainda que a posição pró-garimpo em terras indígenas “absolutamente” o deslegitima de “compor, e muito menos, presidir uma Comissão Externa cujo objetivo é acompanhar a situação do povo Yanomami”, observa. 

O senador também vem sendo questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) por ter visitado ilegalmente a região de Surucucu, dentro da TI Yanomami, dias depois de assumir a presidência do colegiado. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Centro de Operação de Emergências (COE) a entrada do senador ocorreu sem que houvesse um acordo prévio e aval dos órgãos. 

Histórico dos parlamentares

O Cimi também afirma que o senador Hiran Gonçalves (PP), relato da comissão, já mostrou em diversos momentos que é “hostil” aos povos indígenas de Roraima. O parlamentar é defensor do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que altera o processo de reconhecimento das terras indígenas, ao estabelecer o chamado marco temporal. A medida determina que apenas territórios ocupados pelos povos tradicionais na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcados. O que é inconstitucional, segundo a organização indigenista.  

Gonçalves também é conhecido por afirmar, em sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em junho de 2021, que os povos indígenas eram “empecilho para o desenvolvimento do estado de Roraima”. O terceiro titular da comissão, o senador Mecias de Jesus, também é defensor da regularização do garimpo dentro das terras indígenas. 

O republicano é autor do PL 1.331/2022, que trata da pesquisa e a lavra de recursos minerais em TI homologadas ou em processos de demarcação. Conforme destaca o Cimi, Mecias de Jesus já declarou ser contrário à destruição das máquinas autuados em serviços ilícitos no garimpo. Ao lado do governo Bolsonaro, o senador também foi um dos responsáveis por indicar diversos coordenadores para o Distrito de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana. Os resultados dessas indicações políticas vieram à tona no início deste ano, com a exposição do desmantelamento e da fragilidade da saúde dos povos originários na região. 

Composição é ‘escárnio’

Na nota, o Cimi destaca que mais do que um “eventual conflito de interesses”, a presença dos três senadores indica “intenção espúria” de “utilizar um mecanismo de controle e acompanhamento do Poder Legislativo para, com ele, defender a manutenção do garimpo como solução”, contesta. A eleição dos três é ainda um “escárnio” e “um desrespeito aos povos indígenas”, reforça a entidade. 

“A atual composição mancha a imagem do Senado e do Congresso Nacional e os coloca na contramão do necessário esforço coletivo de todas as instituições democráticas para atender a gravíssima situação na TI Yanomami e recuperar políticas públicas fundamentais destruídas durante o governo anterior”, completa o Cimi. 

Até o momento, os senadores pró-garimpo são maioria na comissão. O senador Humberto Costa (PT-PE) garantiu uma cadeira como titular. Assim como a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), eleita vice-presidente do colegiado. Apesar do perfil dos colegas, a parlamentar garantiu que a comissão externa “vai chegar aos responsáveis pela tragédia que feriu de morte os Yanomami”. “Vamos apontar culpados e sugerir políticas públicas eficazes. Uma tragédia como essa não pode se repetir mais. Os povos originários precisam ser protegidos da gana por dinheiro e poder.”

Redação: Clara Assunção