Expansão miliciana

Áreas controladas por milícias no Rio de Janeiro crescem 387% em 16 anos

Mapa dos Grupos Armados mostra que as milícias são hoje a maior organização criminosa do estado e a principal ameaça à segurança pública

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Entre 2006 e 2021, o domínio territorial dos milicianos passou de 52,6 quilômetros quadrados para 256,3 quilômetros quadrados. Uma área equivalente a 10% de toda a extensão do Grande Rio

São Paulo – As áreas dominadas pelas milícias cresceram 387,3% nos últimos 16 anos no Rio de Janeiro. É o que mostra o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio, divulgado nesta terça-feira (13) pelo Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF). De acordo com o levantamento, entre 2006 e 2021 o domínio territorial dos milicianos passou de 52,6 quilômetros quadrados para 256,3 quilômetros quadrados, uma área equivalente a 10% de toda a extensão do Grande Rio. 

A expansão miliciana também corresponde a quase duas vezes o tamanho da cidade de Niterói. Ou ainda, a 64 Copacabanas, o famoso bairro da zona sul carioca. Esses grupos criminosos, contudo, são quase inexpressivos nessa região e tendem a zero na zona sul, como um todo, e no centro da capital fluminense. O estudo mostra que a milícia se concentra quase que exclusivamente na zona oeste da cidade, hoje quase integralmente dominada, e na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio. A presença desses grupos é majoritária em municípios como Itaguaí, Seropédica, Queimados e Nova Iguaçu.  

O mapa também identifica que os milicianos controlam metade dos 510 quilômetros quadrados dominados por grupos armados no Grande Rio. Atualmente, ao menos 4,4 milhões de pessoas moram em áreas dominadas por criminosos, o que inclui o tráfico de drogas a partir das facções Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigos dos Amigos (ADA). O contingente é 65% maior do que em 2006. 

Longe da repressão policial

O CV ainda controla territórios mais populosos, com 2,042 milhões de moradores. Mas o levantamento sustenta que o ritmo de expansão miliciana é “mais acelerado que os demais grupos” criminais. Enquanto as favelas foram dominadas pelo tráfico, principalmente as comunidades da zona norte do Rio e do leste Fluminense, com quase onipresença em Niterói e São Gonçalo, mais de 90% do avanço de grupos milicianos ocorreu em locais que não são controlados por facções. 

Segundo os pesquisadores, as milícias nos últimos anos vêm tirando a atenção de favelas para os conjuntos habitacionais e sub-bairros no chamado “asfalto”. Em 2008, pouco mais de 40% das áreas exploradas por milicianos tinham esse perfil. Mas hoje 80% dos domínios são no asfalto e apenas 20% em comunidades. Ao portal UOL, o sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF, explica que a repressão policial, muito mais violenta contra o tráfico do que contra a milícia, permite que os grupos paramilitares “atuem na pista de forma mais predominante”, afirma.

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No caso dos traficantes, o abrigo em comunidades cria uma barreira para o acesso das forças policiais. A incidência da repressão estatal também explica o fato do tráfico exercer seu controle territorial de forma mais ostensiva do que pelas milícias. Ao longo do período analisado, os pesquisadores também identificaram que as milícias tiveram crescimento acelerado entre 2006 e 2010. À época, a área dominada pelos grupos paramilitares quase que triplicou.

Milícias: principal ameaça

Esse movimento se arrefeceu, contudo, com a CPI das Milícias. A investigação, finalizada em 2008, levou à prisão centenas de milicianos e desarticulou parcialmente os grupos criminosos que viveram até 2016 uma relativa estagnação. A partir de então, as milícias voltaram a crescer, segundo Hirata, também favorecidas pela crise econômica no estado e pelas disputas no crime com organização em âmbito nacional. Nesse caso, o conflito entre o CV e o PCC pelo controle das rotas internacionais de tráfico de drogas. E também da breve fusão entre TCP e ADA para dominar espaços no CV no Rio.

“Entre 2016 e 2018 temos grandes conflitos armados por disputas de territórios do Grande Rio. A partir de 2019, com a chegada de [Wilson] Witzel, temos o fim da Secretaria de Segurança, que produziu uma autonomização das forças policiais que consideramos muito deletéria”, observa o pesquisador. A conclusão do Mapa dos Grupos Armados é que as milícias são as principais responsáveis por esse aumento de áreas sob domínio de grupos armados. “Razão pela qual se tornaram a principal ameaça à segurança pública no Grande Rio”, destaca a pesquisa. 

Ritmo de expansão

Hoje, o Comando Vermelho responde por 40,3% dos territórios ocupados por grupos armados. A facção chegou a aumentar em 58,8% seus domínios, mas bem abaixo do crescimento de 387% das milícias. Por sua vez, o Terceiro Comando Puro responde por quase 9%, com curvas de crescimento no mesmo período e espaço com os grupos paramilitares. Já a ADA controla 1,1% do território, mas a tendência é desaparecer. 

A estimativa é que o tamanho da população dominada por grupos milicianos seja de 1,7 milhão. Apenas na capital fluminense, 74,2% da área é dominada pelas milícias. De três a cada quatro grupos armados são de paramilitares. O estudo também revela que o total de pessoas que moram em áreas dominadas por grupos armados criminosos, de mais de 4,4 milhões, supera as populações de países como Uruguai (3.554.915) e Croácia (4.105.268). 

Para o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio foram analisadas 889.933 mil denúncias do portal Disque Denúncia que mencionavam milícias ou tráfico de drogas entre 2006 e 2021.

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Com informações do UOL