Do subúrbio ao planalto

Ex-secretário Luiz Eduardo Soares descreve a trajetória e o poder das milícias do Rio

Antropólogo e ex-secretário de Segurança do estado explica como as milícias crescem nos territórios, ganham força política e são legitimadas por autoridades

LG Soares/ Arquivo Alerj
LG Soares/ Arquivo Alerj
'No Rio de Janeiro, o filho do presidente e atual senador, Flávio Bolsonaro, condecorou vários milicianos, alguns depois de condenados. Isso é a condecoração à milícia', critica o especialista

São Paulo – O antropólogo, cientista político e escritor Luiz Eduardo Soares, autor do livro Desmilitarizar: Segurança Pública e Direitos Humanos (Boitempo, 2019), explica como as milícias do Rio de Janeiro crescem nos territórios, ganham força política e são legitimadas por autoridades. Soares cita como grupos milicianos estabeleceram relações com a família do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Historicamente, segundo o professor, as milícias são policiais ativos e inativos que dominam um território. Trabalham com imposição de taxas ilegais a atividades econômicas praticadas nessa região. Até o acesso à terra é mediado pelas milícias. “Quem desobedece, morre”, resume Luiz Eduardo, que lembra como os grupos milicianos mudaram a abordagem depois da CPI das Milícias, relatada em 2008 pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (Psol-RJ).

“Antes (da CPI), ninguém havia sido preso e se dizia que as ‘milícias eram autodefesa comunitária’, já que o Estado não oferecia segurança. Algumas autoridades diziam isso, incluindo o atual presidente Jair Bolsonaro e o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (DEM)”, relatou Soares, em video-aula publicada pela Boitempo.

Ao passar dos anos, políticas se elegeram com apoio das milícias, que começaram a se tornar fundamental para a política. “Os milicianos começaram a adentrar no mundo político, estabelecendo relações orgânicas e íntimas com candidatos e partidos. No Rio de Janeiro, o filho do presidente e atual senador, Flávio Bolsonaro, condecorou vários milicianos, alguns depois de condenados. Isso é a condecoração à milícia”, criticou ele.

O caso citado pelo cientista político sobre Flávio Bolsonaro está ligado ao seu ex-motorista e assessor Fabrício Queiroz. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que Queiroz movimentou R$ 7 milhões em três anos. Antes, as revelações davam conta da movimentação irregular de R$ 1,2 milhão em um ano. Dentre as transações, Queiroz teria recebido R$ 96 mil da filha Nathália Queiroz, que até outubro foi secretária parlamentar do então deputado federal Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo que atuava como personal trainer de celebridades no Rio de Janeiro.

Além disso, Valdenice de Oliveira Meliga, irmã dos policias militares Alan e Alex Rodrigues de Oliveira – milicianos presos em agosto do ano passado, na Operação Quarto elemento –, foi funcionária do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e tesoureira de sua campanha ao Senado no ano passado. Ela possuía uma procuração e, inclusive, assinava cheques em nome do filho do presidente.

As ações de Bolsonaro e a política de execução implementada pelo atual governador Wilson Witzel (PSC-RJ) são considerados, pelo especialista, um estímulo oficial à prática de execução extrajudicial. “Começa a sobrepor a violência policial, colocando como grupo de domínio territorial e, depois, como grupo político. Quem acha que uma política que permite a execução garante a segurança, está comprando gato por lebre. Isso produz anarquia, degradação institucional, associação entre crime e política, resultando na milícia”, afirmou.

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