Entrevista

Freixo: ‘Não tem nenhum mecanismo de enfrentamento das milícias no PL de Moro’

Deputado do Psol diz que Rodrigo Maia é um 'republicano', mas do lado oposto'. Na quarta, ele entregou a Sergio Moro relatório da CPI das Milícias, que liderou há 10 anos no Rio

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Em seu primeiro mandato, deputado estreou na tribuna da Câmara Federal na sexta-feira (1)

São Paulo – O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) marcou presença, na noite desta quinta-feira (7), na Fundição Progresso, centro do Rio de Janeiro, no ato público #ForçaJean – Em defesa da democracia. Freixo é correligionário de Jean Wyllys, que deixou o país em função das ameaças de violência e morte que vinha sofrendo há tempos e que recrudesceram após a morte da vereadora Marielle Franco, também do Psol.

Deputado estadual por três mandatos desde 2007 e agora eleito para a Câmara Federal, Freixo também tem sido vítima de ameaças. Em dezembro, a inteligência da Polícia Civil do Rio teria interceptado um plano para assassiná-lo.

Nesta quarta (7), o deputado do Psol entregou pessoalmente, ao ministro da Justiça, Sergio Moro, o relatório da CPI das Milícias, que ele conduziu há dez anos na Assembleia Legislativa do Rio.

“Eu entreguei na mão dele e sugeri que ele lesse. Porque, inclusive, sobre milícia, o projeto de lei dele (anunciado por Moro na segunda-feira) é ruim. Não tem nada sobre isso. Só diz que milícia é uma organização criminosa. Não tem nenhum mecanismo de enfrentamento das milícias naquele projeto de lei”, diz Marcelo Freixo.

Embora acredite que não haverá empenho do governo Bolsonaro para enfrentar a questão das milícias, o deputado considera que esse assunto é de extrema importância. “Para um parlamentar chegar a ser ameaçado – como é o caso do Jean, o meu, e o da morte da Marielle – é porque outras pessoas da sociedade já foram mortas. É isso que a gente tem que entender”, diz. “As milícias hoje dominam território maior do que o dominado pelo tráfico no Rio de Janeiro, e é crescente no Brasil inteiro. É algo que a gente vai priorizar.”

Na entrevista, Freixo comentou também a eleição que recolocou o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados, na sexta-feira (1). “Ele é um cara republicano, que tem uma capacidade de diálogo, mas é um liberal, é da direita, e vai fazer por aprovar a reforma da Previdência. Estaremos em lados opostos, mas espero dele uma relação de respeito às minorias.”

Confira:

Como foi a receptividade do Moro ao receber o relatório da CPI?

Na verdade ele se comportou ainda como um juiz, e não como um ministro. E no final, sem que tivesse conseguido fazer uma única fala, eu entreguei na mão dele e sugeri que ele lesse. Porque, inclusive, sobre milícia, o projeto dele é ruim. Não tem nada sobre isso.

Só diz que milícia é uma organização criminosa. Não tem nenhum mecanismo de enfrentamento das milícias naquele projeto de lei. Nenhuma daquelas medidas que ele cita para enfrentar o crime organizado afeta as milícias. Nenhuma. Eu entreguei o relatório por conta dessa fragilidade.

Você tem sido escoltado, Jean Wyllys deixa o país, pessoas são ameaçadas. Como encara essa situação? O que espera do relatório da CPI estar com Moro?

A CPI tem 10 anos e eu espero que ele leia, porque tem 58 propostas concretas, e algumas dessas propostas cabem ao governo federal, outras ao Congresso, outras aos municípios. Mas, enfim, ele pode coordenar uma ação contra as milícias. Acho que não haverá vontade do governo federal para isso.

O Bolsonaro já defendeu a legalização das milícias. Nessas eleições vimos evidentes relações do senador Flávio Bolsonaro com milicianos. Eu não estou dizendo que ele tem relação com milícias, mas com milicianos ficou provado, com parentes nomeados para seu gabinete, homenagens que foram feitas. Não é a melhor conduta que se espera de um parlamentar no Rio de Janeiro.

Acho que não haverá empenho do governo. Vamos ver como ele se posiciona em relação à milícias dentro do governo, sendo ministro da Justiça. É algo muito urgente. As milícias hoje dominam território maior do que o dominado pelo tráfico no Rio de Janeiro, e é crescente no Brasil inteiro. É algo que a gente vai priorizar.

Vou botar no papel todas as sugestões de mudanças ou alertas em relação ao projeto enviado por ele à Câmara, um projeto ruim, frágil, que por exemplo vai explodir o sistema penitenciário, o que vai aumentar o poder das facções, e não diminuir, como ele diz que quer. Acho que existe um desconhecimento muito grande do ministro Moro em relação a segurança pública, para fazer um projeto de lei sem ouvir ninguém.

E sobre as ameaças que você, seus correligionários e outras pessoas estão sofrendo?

São ameaças distintas. O Jean tem um nível de ameaças, fruto do crescimento da intolerância, que esse governo alimenta, inclusive pelo próprio presidente e alguns ministros que claramente são de um campo fanático. As minhas ameaças são muito anteriores a esse governo, não posso atribuir isso a eles, porque dizem respeito ao crime organizado do Rio de Janeiro. Mas crime organizado que, se esse governo nada fizer, vai continuar ameaçando e matando gente.

Para um parlamentar chegar a ser ameaçado, como é o caso do Jean, o meu, a morte da Marielle, é porque outras pessoas da sociedade já foram mortas. É isso que a gente tem que entender. A gravidade de uma ameaça a um parlamentar é que, para chegar aí, muita gente já perdeu a vida antes.

Em seu primeiro mandato na Câmara, o que espera de um Congresso conservador e que, pelo menos aparentemente, deve apoiar as medidas do governo?

Espero que a gente consiga fazer um bom debate e esteja muito próximo da sociedade civil, que vai se organizar frente ao retrocesso que esse governo vai representar. Acho que a bancada do Psol e de outros setores da esquerda, primeiro, devem agir juntas. Já foi um grande avanço com a formação de um bloco de esquerda, com PT, PSB e Rede. A gente espera ampliar esse bloco dentro de um bloco de oposição, contando ainda com PCdoB e quem sabe outros partidos de esquerda.

Agir em bloco vai ser importante porque é um recado para o conjunto da sociedade. E agir junto aos movimentos sociais. A gente é minoria no Congresso mas pode não ser nas ruas. Então o diálogo com os movimentos vai ser muito importante. E estar muito atento, agindo em bloco dentro do Congresso.

Por falar em bloco, Manuela D’Ávila ficou bastante contrariada e escreveu no Facebook que, na eleição para a presidência da Câmara, Psol e PT tentaram impedir, “a partir de uma manobra regimental, a fusão do PCdoB com PPL”…

Ela não estava nem lá na hora, ela não é mais deputada. Faltou informação básica pra Manuela. Mas ela é uma pessoa de muito valor, é uma grande amiga e eu tenho muito respeito. Mas o que houve foi um questionamento sobre a proximidade do PCdoB com o Rodrigo Maia, eles terem formado um bloco com a direita e não com a gente, e um bloco formado com irregularidades.

Ninguém fez questionamento sobre a legalidade do PCdoB. O PCdoB é um partido da maior importância para a esquerda brasileira, a gente quer estar junto com o PCdoB. O que houve foi o questionamento da legitimidade de um bloco com a direita querer ocupar o espaço da oposição, não da legalidade do PCdoB.

O que você espera do Rodrigo Maia?

Rodrigo tem muita habilidade, é eleito com uma ampla maioria, legítima, e ele sabe fazer essas costuras lá dentro. Originalmente é um homem liberal. Aliás, acho que tem mais proximidade com o Paulo Guedes do que o próprio Bolsonaro. Ele vai tentar aprovar a reforma da Previdência, não tenho a menor dúvida disso, será um grande debate entre nós. Espero que ele respeite a dinâmica do Congresso, e tendo a achar que ele vai respeitar, e respeite os espaços da oposição. Manteremos diálogo republicano com ele, mas de quem vai estar do outro lado.

Algumas pessoas da esquerda consideram que, mesmo sendo conservador, ele é aberto ao diálogo. É isso?

Ele é um cara republicano, que tem uma capacidade de diálogo, mas é um liberal, é da direita, e vai fazer por aprovar a reforma da Previdência. Estaremos em lados opostos, mas espero dele uma relação de respeito às minorias.