Valsas, tangos e tragédias na reeleição de Angela Merkel

EFE/Soeren Stache Angela Merkel abraça colega de partido em reunião da CDU: momento de estreitar laços pela governança Passado o primeiro impacto da eleição alemã de domingo (22), com uma […]

EFE/Soeren Stache

Angela Merkel abraça colega de partido em reunião da CDU: momento de estreitar laços pela governança

Passado o primeiro impacto da eleição alemã de domingo (22), com uma votação consagradora para a chanceler Angela Merkel (41,5%), mas sem atingir a maioria absoluta, a situação pode ser assim descrita:

Apesar da consagração eleitoral, a chanceler precisa fazer uma coalizão para compor um governo. Seu partido de “dupla face” (a União Social Cristã (CSU), da Baviera, e a União Democrata Cristã (CDU), do resto da Alemanha), conquistou 311 cadeiras no Bundestag, mas os três partidos de oposição que permanecem no parlamento, o Social-Democrata (SPD), Linke e Verdes, têm 319. Apesar da diferença ser pequena, e apesar da desunião entre estes partidos de oposição, fazer um governo de minoria nestas condições é muito arriscado para Merkel, pois os adversários, no caso de um voto de (des)confiança, poderiam muito bem se unir.

O candidato óbvio para fazer esta coligação é o SPD, que já fez isto no passado, no que se chama aqui na Alemanha uma “Grande Coalizão”. A chanceler já começou a dar sinais de que deseja tal coligação, e que quer tirar o SPD para dançar. Resta saber o que eles dançarão: uma valsa vienense de concórdia e harmonia, mesmo com as diferenças, ou um tango dramático de passos rasgados e complicados que, se mal ensaiado, pode chegar à falta de entendimento.

Se depender do candidato a chanceler derrotado Peer Steinbrück, não haverá valsa nem tango. Durante a campanha e mesmo ao reconhecer a derrota, ele declarou que não desejava integrar um novo governo Merkel, e que caberia à chanceler procurar outra parceria. No entanto, há setores no SPD que até o momento, mesmo discretamente (e já durante a campanha), vêm manifestando um vislumbre de oportunidade, notadamente os líderes Sigmar Gabriel e Steinmeier.

Na sua posição de sócio minoritário numa eventual composição, o SPD tem um argumento de força: até o momento não há qualquer outra solução à vista para a chanceler.  O SPD, portanto, poderia impor algumas condições – sendo, por exemplo, a distribuição de cargos uma delas.

Não se espera que o SPD reivindique uma mudança nos fundamentos da política econômica de Merkel para a Alemanha e para a Europa. Mas ele poderia impor  uma mudança de ritmo no ajuste fiscal dos “planos de austeridade”, uma maior aproximação com a França de François Hollande, e um distanciamento do desejo do primeiro-ministro britânico David Cameron de rediscutir a distribuição de poderes entre os governos nacionais e as instituições centrais da União Européia, sobretudo a Comissão Executiva e o Banco Central Europeu. Pelo contrário, a posição programática dos social-democratas e socialistas em toda a Europa sempre foi pelo reforço da interdependência entre os países da União.

Neste ponto cessa a música, valsa ou tango, e começam as tragédias. O atual parceiro de Merkel no governo, o liberal FDP, sempre descrito como “amigo do mercado”, ficou fora do Bundestag, por não atingir a cláusula de barreira de 5% dos votos. Ficou com 4,8%, sendo esta a primeira vez desde o fim da Segunda Guerra que o partido ficou nesta posição. Seu líder, Philipp  Rösler, já renunciou ao cargo.

Durante o período pré-eleitoral comentava-se que o novo partido conservador Alternative für Deutschland (AfD) era a grande ameaça para o FDP, pois roubava-lhe votos. De fato, roubou cerca de 450 mil votos, segundo institutos de pesquisa. Porém o grande “ladrão” de seus votos foi a “aliada” CDU de Angela Merkel, que tomou do FDP mais de 2,2 milhões de votos. Como se costuma dizer, “protejam-me dos meus amigos, que dos meus inimigos eu me encarrego”.

Outra tragédia de grandes proporções foi a do Partido Verde. Este conseguiu permanecer no Bundestag, com 8,4% dos votos, mas perdeu a condição de terceiro partido no parlamento para a Linke, que ficou com 8,6%, 64 cadeiras contra 63 daquele. O resultado foi considerado uma catástrofe, sobretudo porque o partido aspirava a formar um novo governo com o SPD. Em consequência, toda a direção do partido renunciou e até o momento nenhuma outra liderança se mostra disposta a assumir a regência da orquestra.

Por seu turno, a Linke também caiu na votação, ficando com os 8,6% contra 11,9% em 2009. Porém o clima no partido é melhor: com crises de liderança recentemente, ele conseguiu permanecer unido e, caso o SPD adira ao governo, ele passará a ser o principal partido de oposição no Bundestag.

Sua posição sempre contrária à participação alemã em intervenções militares da OTAN, a favor de um salário mínimo (que não existe na Alemanha em nível nacional) de 10,50 euros a hora, de uma aposentadoria mínima de 1.050 euros por mês, e outras em favor de políticas sociais mais abrangentes poderão lhe render bons dividendos, numa conjuntura em que, entre valsas, tangos e tragédias, a política recessiva e restritiva de direitos imposta pelo governo alemão vai continuar a devorar corações e mentes, contra ou a favor.