Sem pressa

Liminar barra processo para afrouxar normas de trabalho em frigoríficos

Revisão da Norma Regulamentadora 36, sobre trabalho em frigoríficos, seguia de forma açodada e sem diálogo no âmbito do governo Bolsonaro

Arquivo/Agência Brasil
Arquivo/Agência Brasil
O setor está entre os que mais causam acidentes de trabalho, com mutilações e mortes

São Paulo – De interesse dos empresários do setor de frigoríficos, a revisão da Norma Regulamentadora (NR) 36 em discussão no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência está suspensa por determinação da Justiça do Trabalho. O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), Pedro Luís Vicentin Foltran, acatou pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), que vê diversos perigos e irregularidades nesse processo que transcorre sem diálogo com as partes envolvidas, como manda a legislação, e que pretende afrouxar ainda mais as normas e aumentar a insegurança e a exposição dos trabalhadores a mais adoecimento, acidentes e morte.

Na petição encaminhada à Justiça em 14 de janeiro, os procuradores expõem a situação enfrentada pelos trabalhadores nos frigoríficos brasileiros, expostos a um ambiente hostil pelas baixas temperaturas e à baixa circulação de ar, que causam doenças; manuseiam instrumentos cortantes e pontiagudos, capazes de causar ferimentos e até amputação de membros, fazendo movimentos repetitivos da ordem de 90 a cada minuto, em ambiente com risco de vazamento de produtos químicos, como amônia.

Por essas razões, segundo eles, o setor frigorífico abrange atividades industriais que estão entre as que mais provocam acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no país. Em diversos estados que empregam grande número de indígenas, os frigoríficos são verdadeiros campeões em acidentes de trabalho. Somente em 2019, ocorreram 23.320 mil acidentes de trabalho. Ou seja, aproximadamente noventa acidentes de trabalho a cada dia de trabalho efetivo, considerando que o ano apresenta cerca de 254 dias úteis.

O setor é também um dos principais responsáveis pela disseminação do coronavírus em cidades de médio porte e em aldeias no Mato Grosso do Sul, segundo estudo do Ipea. Em São Miguel do Guaporé (RO), a JBS chegou a ser condenada a pagar indenização de R$ 20 milhões por expor trabalhadores ao vírus da covid-19 em um frigorífico sem o devido distanciamento social e equipamentos de proteção individual.

Frigoríficos sempre foram perigosos

Estabelecido no Brasil há aproximadamente um século, os frigoríficos sempre apresentaram alto índice de acidentes de trabalho, inclusive com mortes, segundo o MPT. Por isso o trabalho nesses locais foi regulamentado pela Norma Regulamentadora (NR) 36, sobre segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados.

Eles chamam atenção também para o fato de que milhares de indígenas estão entre os empregados dos frigoríficos. E que nem por isso foram previamente consultados sobre a proposta de alteração da revisão da NR nº 36, como manda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“A revisão do marco regulatório em comento não está afeta ao princípio da prevenção e da redução dos riscos do trabalho nos frigoríficos, mas sim à ampliação da precarização das condições laborais em um dos setores que mais geram acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil, consoante recente manifesto subscrito por mais de 80 técnicos, pesquisadores, professores e doutores pesquisadores da área. Revela o MPT que, o governo federal, sob o pretexto de desburocratizar, simplificar e conferir segurança jurídica, mesmos postulados da Reforma Trabalhista de 2017, vem procedendo a revisão quase que simultânea de todas as 37 Normas Regulamentadoras de segurança e saúde do Trabalho, impondo profundos retrocessos nas medidas de prevenção de acidentes laborais, em um país recordista em acidentes de trabalho fatais”, anota o desembargador em seu despacho.

Em outro trecho da decisão, anota que o processo de revisão da NR 36 “pretende desregulamentar as condições de trabalho no setor, a fim de reduzir custos da atividade econômica, gerando prejuízos graves e irreparáveis a cerca de 550 mil trabalhadoras e trabalhadores no Brasil, dentre os quais os povos indígenas, além dos custos suportados pela Previdência Pública e pelo Sistema Único de Saúde. Esclarece que a NR 36, publicada em 18/04/2013, foi resultado de longos debates e seu texto técnico foi produzido mediante consenso tripartite entre empregadores, representantes dos trabalhadores e governo”.

A NR que Bolsonaro e seus amigos querem modificar introduziu, entre outras medidas preventivas, as chamadas pausas de recuperação psicofisiológicas de 60 minutos por dia, fracionadas ao longo da jornada diária. Um descanso que possibilita a chamada “recuperação térmica” do corpo. Com o seu afrouxamento, segundo o MPT, a ameaça é de lesão irreparável à saúde e à segurança de 550 mil trabalhadores do setor, com potencial geração de uma verdadeira legião de lesionados decorrentes do trabalho precário em frigoríficos como resultante da revisão estrutural da norma
setorial à revelia da conclusão de estudos técnicos preliminares e vinculada apenas à “metodologia” de aferição de razoabilidade de impacto econômico.

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